segunda-feira, outubro 12, 2009

O Fim e o princípio

Eles agora caminhavam pela grama da área externa do hotel. A vista era belíssima, com as montanhas cercadas de nuvens, arranhando o céu. O sol, que se escondia por detrás delas, era um simples enfeite:parecia querer contribuir para que o friozinho, que tornava aquele cenário ainda mais romântico, não fosse embora mesmo depois das 11 horas da manhã. O jardim do hotel enchia mais ainda o lugar de graça, com suas flores cobertas de orvalho. Estendia-se até o horizonte, formando, em conjunto com as montanhas, um cenário surreal típico de um quadro. A conversa continuou.
- Você não acha que o mundo de hoje é extremamente cruel? Não há mais espaço para quem falha. Não há mais perdão para os erros. Eu cresci achando que minha vida seria cheia de opções, e nunca foi. Eu sempre tive de fazer as coisas e tomar decisões no calor do momento. E hoje, olhando pra trás, vejo que poderia ter feito várias coisas de modo diferente se tivesse tempo para pensar. Isso me deixa ansiosa, com medo de continuar errando.
-Eu acho que essa sua inquietação passa pela indagação sobre o sentido da vida. É muito mais fácil compreender o que é a vida quando ouvimos quem já está no fim dela.
-Você e seus clichês. Não consegui tomar nenhuma decisão sobre minha vida conversando com meu avô, por exemplo...
-Talvez você nunca tenha feito as perguntas certas. Sabe aquele filme que te falei, sobre os velhinhos?
-Sim, eu gostei. Mas fiquei meio aflita... É tão estranho ser indagada sobre a morte hoje, quando a morte ainda me parece algo distante... Imagina a sensação de ouvir essa pergunta quando se sabe que a morte é iminente...
- Quantos deles estavam preocupados com a morte? Alguns, é verdade. Ouvir que a morte está próxima é aterrorizante, mas o que me surpreendeu é como eles falavam da vida que levaram. A vida sempre foi ótima, o casamento foi maravilhoso, independente dos critérios que usam pra dizer isso. E mesmo as adversidades foram boas porque provocaram algo de bom no futuro.
- É, tudo bem, mas a vida daquelas pessoas não apresentava opções. A resignação é necessária para que elas sobrevivam, até.
-Você tem mania de ver o lado negativo das coisas. O que eu vi ali é que, apesar da vida miserável que a maioria daquelas pessoas viveu, no fim parece que tudo valeu à pena e que, dentro do possível, elas fizeram escolhas que as levaram à felicidade. Ao contrário, a resignação vem da descoberta de que, apesar de tudo, a vida foi boa. Guardadas as devidas proporções.
-Então você quer dizer que vou ter que esperar até o final da vida pra descobrir que meus erros não foram tão graves e que eu acabei sendo feliz assim mesmo? Eu queria ter essa certeza agora.
- É complicado querermos ter a tranqüilidade dos idosos, essencialmente porque ainda não temos argumentos que justifiquem essa felicidade: filhos criados, casamento longo, realizações profissionais, etc., mas minha teoria é de que devemos buscar um pouco dessa resignação. A verdade é que a vida vai acabar sendo boa, de alguma forma.
-Como assim, a vida vai ser boa? E se eu não conseguir nada disso: família, filhos, dinheiro?
- É simples, se uma senhora que teve 14 filhos dos quais apenas dois sobreviveram, é viúva há 47 anos, é pobre e nunca saiu da cidade onde nasceu chega a conclusão de que a vida foi boa, a minha também será. Ou seja, eu vou conseguir, através de um grande esforço pessoal de auto-convencimento, chegar a essa conclusão, independente das besteiras que fizer na vida. Entende?
-Faz sentido.
- E o mundo louco do jeito que você mesma descreveu teria muito mais paz se as pessoas pensassem assim. Por exemplo, eu diminuí drasticamente minhas chances de enfartar antes dos 30 quando passei a pensar que, todas as vezes que a pessoa logo a minha frente na fila do caixa eletrônico precisar resolver toda sua vida econômica naquele momento, ou quando eu pego um engarrafamento de 3 horas por causa de alguém que furou o pneu no meio da rua, estou fugindo de algum problema mais grave ou ganhando uma oportunidade de, pelo menos, ficar mais um tempo sozinho e refletir mais sobre as coisas.
- Você é completamente maluco. Mas até que isso pode me ajudar mesmo. É meio óbvio que se as coisas não acontecerem da forma que esperamos, serão de outra forma que no fim também terá desdobramentos novos, e pode ser que acabem se tornando opções melhores que as iniciais. Mas eu nunca tinha pensando sobre isso numa perspectiva de resignação, de auto-convencimento. É impressionante como você chega a conclusões legais partindo de clichês típicos das novelas das oito.
- Eu agora pretendo te convencer a irmos pro quarto, eu vejo o jornal enquanto você me faz um chá quente. Será que consigo?
- Eu preferia aproveitar mais a paisagem, mas quem sabe se indo pro quarto você não resolve, finalmente, me pedir em casamento?
- Já me resignei em relação a isso também.
Eles sorriram um para o outro. Voltaram até o quarto, pressentindo que aquele momento mágico logo se acabaria. Em breve estariam novamente presos entre os carros no trânsito. Talvez, agora, com a lembrança do sorriso dos velhinhos do filme. E com o cenário surreal das montanhas.


P.S: Trecho do livro que escreverei, em breve;
P.S.2.: O filme do texto existe, tem o mesmo nome do título do post e é bem legal.