quarta-feira, março 20, 2013

"E agora o que sobrou?!" ou Como tentar ser cidadão

Engraçado. Passei quase dois anos sem escrever neste blog. No entanto, releio textos que continuam tão vivos, tão atuais...A vida pós-moderna muda muito rapidamente, mas nem tanto assim... Enfim, resolvi recomeçar. Talvez menos preocupado com o amor, e com aspectos filosóficos, psicológicos e sociológicos que permeiam a minha existência. Sinto que é  hora de olhar um pouco pro resto do mundo. Sinto que preciso falar de política, da cidade, e de coisas loucas que têm acontecido por ai. Vamos nessa.

Eu sou pessimista. Não controlo isso. Mas vejo que o Brasil, é bom que se diga, tem avançado em vários pontos no sentido de uma maturidade da democracia. Alguns velhos clichês "abre texto" de jornalista paulista ranzinza, como "brasileiro troca voto por bloco", "vota no deputado e depois nem lembra o nome", entre outros, têm se mostrado cada vez menos eficazes para explicar fenômenos e manifestações políticas, como os protestos contra Renan e Feliciano, e o "julgamento" e condenação automática, pela população, do último prefeito de Salvador, na campanha das eleições do ano passado. Contudo, há que se considerar também que precisamos avançar muito. Grande parte dos problemas de Salvador, por exemplo, são frutos da própria deseducação do nosso povo. A maioria dos soteropolitanos é deseducado mesmo. Não lhes falta informação, mas eles têm dificuldade em reconhecer que algumas são fundamentais como respeito as leis (de trânsito, fiscais, etc) e bom senso - lixo nas ruas, som alto até mais tarde, estacionar em vaga de idoso...
É necessário ir além. A falta de "cidadania", como nos é imposta pela grande mídia em peças publicitárias, sempre é entendida como algo inerente a pessoa, ao cidadão, sua consciência enquanto pertencente de uma sociedade humana organizada, onde ele acumula direitos e deveres. Acho arriscado aceitarmos essa ideia sem ressalvas. Como  habitante da cidade, o homem sai da condição de barbárie onde, no popular, "farinha pouca meu pirão primeiro", para se agregar com pares que juntaram forças para garantir objetivos comuns, como sobrevivência e conforto. Os esforços se coadunam em direção ao mesmo "núcleo", e isso demanda direitos e deveres de cada um dos envolvidos. Nesse contexto nasce o Estado, com a incumbência de garantir a todos seus direitos e exigir, também de todos, os seus deveres. A ideia é bonita, mas a prática nem tanto. Há distorções em todos os níveis quando observamos os Estados do "mundo real", quase todas perpassando questões de classe. O Estado é um instrumento de Poder, e quem o domina está em posição privilegiada em relação aos demais, apesar de ser igual perante as leis. Vemos essas distorções em todos os cantos, inclusive nas nações "desenvolvidas".
Porém, no Brasil, a coisa me parece ainda mais grave porque nós exigimos civilidade e cidadania de indivíduos que não tem seus direitos básicos garantidos. Eu fico bastante contrariado quando vejo psicólogas, pedagogos, e "educadores" em geral  - bem intencionados, diga-se de passagem - transferindo toda a responsabilidade da deseducação atual para as famílias, "esfaceladas, destruídas", etc. Calma ai... Como vamos exigir que um jovem não jogue lixo no chão se o esgoto passa na porta de sua casa? Como vamos pedir ao motorista inciante que respeite as leis de trânsito, se os policiais, guardiões da lei, simplesmente a ignoram em abordagens aos jovens da periferia? A discussão não pode ser tão simplificada. Precisamos ir mais fundo.
Ignorar o aspecto político da deseducação é uma forma de ocultar as relações de poder existentes no fenômeno. E ocultar o que está errado é contribuir para que continue errado. Lógico que existe um fenômeno atual de mudança de paradigmas que norteiam a juventude. É uma forma bonita de dizer que os jovens estão completamente loucos e até meio idiotas. Também vejo isso, e até concordo que parte da culpa é da família,  mas o contexto, o pano de fundo, as relações de poder que oprimem e excluem, pera lá, nunca poderão ficar de fora da conversa. Num mundo perfeito onde o Estado garantisse todos os direitos básicos a todos os cidadãos, a família seria a única vilã. Obviamente ainda estamos distantes demais desse mundo ideal, e precisamos nos aproximar mais dele.
Afinal, o que queremos mudar? Para que devemos mudar? Fica a reflexão.