quinta-feira, novembro 23, 2006

Quando alguém consegue dizer melhor que você mesmo o que você sente.. entendeu?

" Guiou uma das mãos ao bolso
num desvelado esforço
de parecer invicto

Carregou-a assim, temerosa por poucos mas defíceis passos
de corredor
(dividia aleatoriamente
O pouco que lhe restava entre o descomunal esforço
De projetar-se adiante e o pulsar de idéias
cadavéricas que brotavam senhora em sua cabeça)

Sorriu assim amarelo
O seu sorriso mais potente
Fez-se sólido, simpático

Ergueu a mesma mão
(com dificuldade de livra-la)
Conseguiu olhar nos olhos
lentamente entregou as mais cordiais saudações de que se
lembrava

ouviu sem igual esforço as retribuições
deu as costas e sucumbiu novamente
ao colo mais próximo."


Marcelo Camelo


É isso gente! Isso é manipulação da impressão. Em poesia tudo fica mais belo, mais romântico e mais triste. Não conseguir ser um poeta é uma merda...

domingo, novembro 19, 2006

Divagações a respeito da manipulação da impressão do outro...

Não será bem um texto. Na verdade, é um pouco de desabafo... A questão é: como manipular eficientemente a impressão que as pessoas têm de você? Segundo os teóricos do interacionismo simbólico, estamos sempre procurando essa manipulação. Ela é, grosso modo, a razão de ser de muitos aspectos que envolvem as interações. Cabe aqui uma breve consideração a respeito dos papéis. O interacionismo está pautado, basicamente, na análise das interações como se elas fossem uma grande encenação: estamos todos cumprindo diferentes papéis, em cada diálogo. Manipular a impressão é, também, convencer o outro de que você encarnou, de fato, aquele papel, e que o cumpre com total legitimidade. É por isso que os médicos exibem seus diplomas nas paredes dos consultórios; é por isso que garotos "radicais" arriscam tolamente suas vidas para mostrar toda sua "radicalidade" a quem lhes interessar.
Assunto recorrente desse e de outros tantos blogs, o vai e vem dos universos semânticos é um fenômeno do mundo moderno, que se acentua no mundo pós-moderno. As pessoas entram e saem de sua vida, de uma forma tão brutal que você não consegue mais manter o mínimo de afetividade da relação, depois que ela foi superada. Tudo está mais rápido. Tudo muda mais rápido. Inclusive as pessoas. Me peguei, nesse fim de semana que melancolicamente se encerra daqui a 20 minutos, numa situação que envolvia as duas problemáticas: tinha que encaixar meu universo semântico num que há muito me era distante, o que sem dúvida envolvia uma incrível manipulação da impressão alheia.
De fato, esse tipo de manipulação nunca me preocupou, ao menos conscientemente. Mas desta vez, estranhamente, senti uma necessidade de empreendé-la. Não há motivo racional que explique isso... Obviamente que falhei, redondamente. Falhei de um modo tão absurdo, que tive a sensação de não ter tido nem a chance de tentar... Parece que algo em mim determinou, a priori, se eu estava ou não legitimado a interpretar o papel ao qual eu quis me ligar.
Até que ponto se pode manipular, consciente ou inconscientemente, a impressão alheia? Qual limite entre a influência do que o ator apresenta em relação aos aspectos em que ele pode interferir, e as interpretações do interlocutor, seus conceitos e crenças, seu modo de ver o mundo, enfim, seu Eu? Questão intrigante... Claro que os aspectos visíveis, ou seja, aquilo que você apresenta antes da troca de palavras, são passíveis de interferência. Contudo, eles até explicariam um certo pé atrás do meu interlocutor, mas nunca uma opinião definitiva.. Sim, senti que uma opinião defitinitiva formou-se antes mesmo d'eu abrir a boca.
Responder essa questão me traria o conforto da impotência perante às condições psciológicas do outro, penso. Contudo, poderia também me trazer a revolta por não ter feito o que deveria para manipular a impressão ao meu modo. Como respondê-la é impossivel, fico eu com o conforto. E no fim, concluo, friamente: " eu não queria mesmo...". Assim tudo fica mais fácil...E o sol virá amanhã. E daqui há dois dias, eu nem me lembrarei mais disso. Nem da pessoa, nem da impressão, nem do embaraço. Esquecer os embaraços o mais rapidamente possível é uma boa forma de manter o bom humor e o pensamento positivo. Viva ao pensamento positivo!

terça-feira, novembro 14, 2006

"Onde está nosso Capital Social?" Ou "Porque tenho que aturar o Salvador Card"

O título já traz o tom de minha revolta. Outro dia, no meio de uma fila quilométrica, com objetivo simplório de garantir nosso direito de ir e vir, eu e um amigo rato filosofávamos a respeito da canilhice e da acomodação do povo baiano frente a esse chute no saco chamado Salvador Card.O engraçado é que todos na fila reclamavam... Poucos ali - provavelmente nenhum - teria dado a cara à tapa de polícia como eu fizera. Reclamar é infinitamente mais fácil. Enfim...
Revoltas-potencializadas-por-minhas-variações-hormonais à parte, é sobre essa acomodação que eu quero falar-lhes. É interessante como certas leituras podem fazer você mudar completamente de opinião sobre certos assuntos. De repente, tudo passa a fazer sentido - mesmo que seja um sentido deprimente. Quando tomei posse do livro "Capital Social", da Maria Celina D'Araújo, juro que não imaginava encontrar nele algum alento para meu sofrimento naquela fila. Mas até que essa relação é menos absurda que outras já promovidas por aqui. Essa, pelo menos, não causará rodopios no túmulo do citado ( ela provavelmente ainda está viva, espero).
O Capital Social é a "argamassa" que une os tijolos de uma sociedade. É, grosso modo, a capacidade de manter um bom nível de confiança nas relações interpessoais, de um lado, e dessas pessoas com as instituições, de outro. Ou seja, o Capital Social, sob a segunda ótica, está diretamente ligado ao nível de civismo, ou cultura cívica da sociedade. Cabe aqui a crítica ao institucionalismo: apenas "boas" instituições não controem uma sociedade mais democrática. Sem Capital Social, as instituições viram bichos enormes, papões, dos quais não se chega perto. Siglas indecifráveis; normas incompreensíveis... Passei alguns anos de minha vida tentando entender o que significava INSS, BNDES ou UNESCO. Não se preocupem, já desisti da brincadeira...
Portanto, falta-nos justamente o Capital Social. Quando não existe a consciência cívica, as instituições podem ser o que quiserem. Aliás, não apenas ser, mas fazer, também. Ai está o Salvador Card. Parar o trânsito incomoda; quebrar ônibus dá um certo prejuízo; diálogo entre sociedade civil organizada e instituições é a única chance de resolver, ou pelo menos amenizar as consequências que me parecem tão nefastas.
Devo confessar, impulsionado pelo ódio discreto que alimento de mim mesmo, que o que me traz conforto em perceber a verdadeira causa da nossa inércia é, de fato, concluir que eu sozinho não posso fazer muita coisa pra mudar o quadro. A não ser, é claro, escrever e lamentar nas mesas dos bares. Mas que assim seja: se não podemos mudar miséria, que ela nos sirva, ao menos, para fazer arte...

segunda-feira, novembro 06, 2006

Que façamos arte, pelo menos

Sinal Fechado
Chico Buarque
Composição: Paulinho da Viola

– Olá! Como vai?
– Eu vou indo. E você, tudo bem?
– Tudo bem! Eu vou indo, correndo pegar meu lugar no futuro... E
você?
– Tudo bem! Eu vou indo, em busca de um sono tranqüilo...
Quem sabe?
– Quanto tempo!
– Pois é, quanto tempo!
– Me perdoe a pressa - é a alma dos nossos negócios!
– Qual, não tem de quê! Eu também só ando a cem!
– Quando é que você telefona? Precisamos nos ver por aí!
– Pra semana, prometo, talvez nos vejamos...Quem sabe?
– Quanto tempo!
– Pois é...quanto tempo!
– Tanta coisa que eu tinha a dizer, mas eu sumi na poeira das
ruas...
– Eu também tenho algo a dizer, mas me foge à lembrança!
– Por favor, telefone - Eu preciso beber alguma coisa,
rapidamente...
– Pra semana...
– O sinal...
– Eu procuro você...
– Vai abrir, vai abrir...
– Eu prometo, não esqueço, não esqueço...
– Por favor, não esqueça, não esqueça...
– Adeus!
– Adeus!
– Adeus!


Engraçada essa nossa sociedade. O mundo virtual destruiu a necessidade da exposição pública como passo inevitável da conquista amorosa. Meu pai, quando queria paquerar, provavelmente tinha como única alternativa ir à praça no domingo espiar as moças bonitas, quem sabe até falar com elas, conversar banalidades... Um processo árduo, sem dúvida. Contudo, hoje ninguém precisa mais fazer isso. A internet resolve tudo para nós. Para os mais discretos, existem sites com milhões e milhões de perfis de mulheres e homens ideais para alguém. Basta escolher e clicar, como se estivessem disponíveis numa prateleira de supermercado. Para os mais pobres e menos inibidos, basta entrar no maravilhoso mundo do orkut, onde milhões e milhões de perfis, todos tipos ideais orkutianos ( adotei a expressão de alguém...) estão lá, à distância de um clique, e "de graça". As distâncias estão indubitavelmente mais curtas.
Agora, o paradoxo: do que adianta toda essa facilidade tecnológica se as pessoas, a exemplo da música do Chico, não têm tempo para amar? Estamos todos correndo tanto que, até mesmo quem não está, se sente constragido em assumir... O amor se restringe a encontros de sábado a noite, cumprimentos ligeiros nos corredores, conversas no sinal fechado...O preço de se diminuir virtualmente as distâncias, é tornar as relações que provém dessa diminuição essencialmente virtuais, também.
Se é triste? Sim, é. Mas confesso que, para mim, enquanto nos lamentarmos em forma de arte, como fizeram Chico e Paulinho, ainda valerá a pena tentar...