sábado, dezembro 23, 2006

Férias, Pirro e Cinéias

Plutarco conta que um dia Pirro estava fazendo projetos de conquista. "Vamos primeiro submeter a Grécia", dizia ele. "E depois?", disse Cinéias. "alcançaremos a África." - "Depois da África?" - "passaremos à Ásias, conquistaremos a Ásia Menor, a Árábia." - "E depois?" - "Iremos até as Índias." - "Depois das Índias?" - "Ah!" disse Pirro, "eu descansarei." - "porque", disse Cinéias, "não descansar imediatamente?"
Cinéias parece sensato. Para que partir se é para voltar para casa? Para que começar se se deve parar? E no entanto, se não decido primeiramente parar, parece-me mais vão partir. "Não direi A", diz a criança com teimosia. "Mas por quê?" - "porque, depois disso, seria preciso dizer B."Ela sabe que se começar, jamasi terminará: depois do B, será o alfabeto inteiro, as sílabas, as palavras, os livros, os exames e a carreira; a cada minuto uma nova tarefa que a lançará à frente rumo a uma tarefa nova, sem descanso. Se isso não acaba nunca, para que começar? Até mesmo o arquiteto da torre de Babel pensava que o céu era um teto e que um dia o tocariam. Se Pirro podia estender os limites de suas conquistas para além da terra, para além das estrelas e das mais longínquas nebulosas, até um infinito que escaparia incessantemente diante dele, seu empreendimento seria ainda mais insensato, seu esforço se dispersaria sem jamais se concentrar em nenhuma meta. Aos olhos da reflexão, portanto, todo projeto humano parece absurdo, pois ele só existe se atribui limites a si mesmo, e sempre podemos transpor esses limites, perguntando-nos com irrisão: "Por que até aqui? Por que não ir mais longe? Para quê?


Simone de Beauvoir, Pirro e Cinéias


Ah, férias. É nesse momento do ano que paro para refletir e analisar do que me serviu todo o grande esforço feito durante os 365 dias passados. Simone de Beauvoir me trouxe algum conforto com essas palavras. Corremos, e corremos... e Para quê? Sempre há o que se alcançar. Estamos sempre definindo novas e novas metas, sem parar em canto nenhum... Mas haveria felicidade em parar? Também sabemos que não. Estamos condenados, enquanto seres humanos, a essa busca incessante pelo novo, por mais um degrau, sendo que o que realmente está em jogo nessa vida é o processo pelo qual chegamos a todos esses objetivos. Se não for divertido, se não for agradável, se não fizermos amigos, então nem a conquista da Ásia Menor nos será proveitosa.
Mas, na verdade, transcrevi o trecho por que estou no clima de Cinéias. Tenho uma semana de vagabundagem e, nela, pretendo pensar e agir como esse cidadão. É a única semana do ano em que posso fazer tudo exatamente como bem me parecer, e o farei sem exageros. Para começar, descansarei primeiro, antes de definir minhas novas metas...
Feliz Natal para todos vocês. Não vou desejar paz nem saúde, e sim um alto poder de consumo. Sim, pois apenas quem consome é gente, nessa terra que nos faz suar desde as nove da manhã. Quem teve a chance de ir no Iguatemi, por esses dias, sabe do que estou falando...
Até o ano que vem, com novas metas e rumos. Não esqueçam, façam o caminho valer a pena...

domingo, dezembro 10, 2006

Porque eu só escrevo aos domingos

Depois de um fim de semana de farra, sempre vem um domingo de maresia... Talvez, depois de um tempo,o ditado pegue tanto quanto água mole e pedra dura tanto bate até que fura. O fato é que meus domingos têm sido de profunda reflexão. O tema? Bem, o tema quase nunca é algo axiológico, filosófico, transcendental...É, na verdade, quase nunca a reflexão é importante. Hoje, por exemplo, passei alguns minutos tentando entender por que motivos os caras muito espertos da Globo deixam Fausto Silva criar quadros bizarros como o "chamando o passado" ou coisa que o valha. O quadro, para quem não teve a oportunidade única de conferir a estréia, trata-se de uma oportunidade gentilmente cedida à uma pessoa afetada emocionalmente, para que essa possa, em rede nacional, superar seu trauma voltando atrás numa decisão estúpida. É a superação midiática - espetacular da psicanálise. Sim, é Fausto Silva marcando seu nome na história.
Bom, a estréia não poderia ser mais caquética: uma ex-aluna que, há 27 anos atrás, rejeitou um cumprimento do professor. Este queria lhe cumprimentar por uma nota A. Fausto se esforçou - de forma admirável - para convencer o público de que esse acontecimento marcou a vida da pobre mulher, de modo que ela não conseguiria sobreviver se não o superasse. Ele quase conseguiu me convencer... Foram então procurar o coitado do professor. Imaginem vocês, um professor de "estudos sociais"... Fiquei pensando como seria uma aula de estudos sociais, no ginásio, há 27 anos atrás. Com certeza essa nota A não deveria ser um motivo de orgulho para moça...
"À historia, por favor!", pensa raivoso o leitor.. Pois sim, seja feita a sua vontade! Voltarei a ela.. A mulher do professor morre de medo da violência da cidade. Por isso, só faltou jogar água fervendo na pobre da repórter. Essa foi a primeira parte engraçada.
A segunda, vejam vocês, foi o professor. Depois de contactado, informado do quadro, ter aceitado participar daquele joguinho ridículo de fingir que não pôde comparecer e aparecer depois quando a moça fazia um esforço deprimente para pedir desculpa perante as câmeras, o bom velhinho adimitiu que, na verdade, tinha "uma lembrança beeeem vaga da história".
O discurso "pela educação" que Fausto fez, logo em seguida, não conseguiu ofuscar a inutilidade intríseca do seu novo quadro. Sim, a televisão é quase sempre inútil. Contudo, ela não se torna, caro leitor, mais insuportavelmente inútil quando seus quadros não tem absolutamente nenhuma utilidade até mesmo para os protagonistas? O velhinho, simpático, não tinha nenhum motivo para estar ali. A moça, a não ser que tenha realmente ficado traumatizada pelo epsódio, também não. E eu, entorpecido pela maresia de domingo, tinha muito menos razões para ficar assistindo àquela palhaçada.
Os defensores da televisão "popular" contra-argumentam dizendo que não adianta colocar na telinha uma programação que não expresse a vida do nosso povo, que não tem, de fato, acesso à cultura. Ele não tem, todo mundo sabe, mas ninguém tem a brilhante idéia de começar a mudar o quadro. Quem veio primeiro, o povo sem cultura ou a televisão idiota( mais uma sugestão de ditado que pode pegar. Lembra aquele do ovo e da galinha...)?
Outra questão é: se a esse televisão é cara do nosso povo, quer dizer que somos todos fofoqueiros sádicos consumistas afetados psicologicamente? Quando formulei a questão, tinha a intenção de responde-la negativamente. Dei um salto da cadeira quando percebi que esse é, na verdade, um quadro perfeito dos cidadãos brasileiros do século XXI. Puta que pariu.. esse mundo não tem mais jeito mesmo!