sexta-feira, dezembro 25, 2009

Coisas*

De cabeça, sem abrir a porta do armário para olhar, eu posso dizer todas as coisas que eu tenho. São nove vestidos, eu contei. Uma enorme coleção de camisetas, 30, da época em que eu as usava. Ainda adoro pijamas. 99% de chance de que, se eu estiver em casa, a qualquer hora do dia, estarei usando pijamas. Mas já não compro nenhum há alguns meses. Tenho uma caixa de cartas das quais eu nunca me desfiz e que incluem bilhetinhos trocados em sala de aula há 08 anos atrás. Guardo a agulha com a qual furei meu piercing no umbigo ainda no colégio (guardo?).

Descobri que não posso ter muitas coisas, pois acabo sempre usando as mesmas. O vestido azul de borboletas e o brinco de palhinha são dois bons exemplos, mas até que tenho feito um bom trabalho em aposentá-los. Este semestre resolvi me livrar das caixinhas de lente de contato, uma para cada visita a oftalmologista. Ao longo de oito anos juntei mais do que eu jamais iria usar. Até que tentei manter uma de cada cor, mas no final das contas acabei ficando mesmo com as velhas companheiras, aquelas branquinhas que vieram com os vidros de Renu. Os cigarros, dei para esconder de mim mesma, mesmo agora que todo mundo já sabe que eu fumo (sim, eu fumo, admito). Algumas coisas me arrependi de não ter guardado, como uma das provas de Formação da Sociedade Brasileira, ou o anel que foi alvo de disputa entre eu e meu primeiro grande amor.

A gente acaba sempre guardando o mesmo tipo de coisa, como as pessoas, e a gente as guarda mesmo muito tempo depois de não precisar mais delas.

Gosto de coisas para guardar coisas. Descobri que as canecas das cidades que visitei acabam servindo para isso. Uma delas, que já tinha sido remendada por um amigo, joguei no chão esses dias. Ela quebrou em muitos lugares, mas onde a cola Super Bond pegou, ela ficou. Guardei os cacos para me lembrar de alguma coisa que ainda não sei bem o que é.

Hoje em dia é fácil receber notícias por um grupo de emails e ao mesmo tempo não ter para quem ligar quando acontece algo de bom ou algo de ruim. São sempre aquelas mesmas duas caixinhas brancas que vieram com o Renu. Passa um monte de gente, mas no final ficam sempre aqueles mesmos velhos pijamas rasgados na gaveta. Aqueles que a gente tem que quase arrancar do corpo de vez em quando para jogar na máquina de lavar.

Conheci muita gente nesses últimos tempos, mas quase todo mundo foi para a sacola de coisas para o porteiro. As amigas de infância viraram amigas de outras pessoas. Algumas pessoas fizeram de tudo, mas mesmo assim a gente deixou elas partirem. Com alguns amigos não se canta mais música sertaneja. Vieram namorados, empregos, mestrados, planos... E eu acabo sempre ligando para as mesmas pessoas. A gente acaba tendo muitas roupas de festa e poucos pijamas. Às vezes isso me deixa triste, às vezes me faz bem. Eu gosto de pijamas.

Quando chega o fim do ano, dá vontade de jogar tudo fora e começar de novo, quando o ano foi ruim, ou de erguer um altar para cada ingresso de cinema e papel de bala, quando o ano foi bom. Faz parte. Desejo pijamas de festa a todos que passarem por aqui.

* Publicado originalmente em www.vivendocotidianamente.blogspot.com, em dezembro de 2008.

sexta-feira, dezembro 18, 2009

Mais um capítulo da mesma história

Ele adormeceu ao som de Cazuza e acordou ouvindo a previsão do tempo. O vento que invadia a sala através da pequena abertura da porta da varanda derrubara e quebrara, numa trágica coincidência, o porta-retrato que continha a foto da mais bela lembrança entre as que ele pretendia esquecer. De um salto, levantou do sofá onde estava pregado desde a madrugada. Sentou-se a mesa, papel e caneta a mão, e escreveu o que tinha em mente:
"Querida,
É muito complicado se relacionar. Isso se torna ainda mais difícil quando as histórias anteriores (de ambos) ainda não estão completamente resolvidas, as feridas não estão fechadas, os traumas não foram esquecidos... Junte-se isso a distância, e pronto, está armada a sinuca de bico em que nos metemos. Eu acho que você comete muitos equívocos... Avalia a situação de maneira maniqueísta e bipolar, tenta encaixar as pessoas nos seus paradigmas e modelos de certo e belo, sem procurar perceber que motivos levariam uma pessoa a mentir, ou a omitir, mesmo gostando muito e só querendo o bem da pessoa "enganada". Mas, depois de tantos dias pensando em tudo isso, eu encaro com normalidade e, inclusive, digo que qualquer pessoa envolvida numa situação parecida poderia ter o comportamento parecido, ou pior. Você só está sendo humana. (in)Perfeitamente humana.
Voltando a falar de relacionamentos: Eu me sentia cobrado, sim. Me sentia avaliado, sentia que você estava o tempo inteiro tentando mensurar a nossa "compatibilidade". "Ai, ele não faz isso, que eu adoro...”“Pensa desse modo sobre isso, o que eu rejeito..." Se você refletir bem sobre nossas conversas, vai perceber que elas estão recheadas de falas desse tipo, de sua parte. Obviamente, levando em consideração a complexidade de nossa língua e a falta de concretude da conversa virtual, poderia mesmo não ser cobrança, nem avaliação. Mas o foco, o que deveria nortear suas reflexões, é que estava ME parecendo cobrança. Ai você pode concluir que eu pensava assim porque pulo de cama em cama, adoro uma massagem no ego e queria que você continuasse pensando que sou um amor de pessoa, um homem "de verdade" e que não sou igual aos dai, apenas para satisfazer minha vaidade, alimentar a crença de que posso me fazer interessante para as mulheres que considero interessantes. Essa é uma linha  de raciocínio sofisticada, reconheço, e seria altamente plausível se, um pouco antes, você tivesse considerado a possibilidade de eu apenas estar me sentido cobrado, mesmo, num momento em que qualquer tipo de cobrança me remete a um relacionamento anterior, que eu quero esquecer. Aliás, cobrança, em qualquer esfera da vida, é algo que gera conflitos. Não importa se as intenções são boas, quando há cobranças há conflitos, e disso não poderíamos nos livrar.
Sabe, eu realmente não estive nem estou fechado para novas histórias. Mas eu estou falando de histórias, de breves (ou longos) casos de paixão intensa, de romance clássico, de onde surgem loucuras... E sei perfeitamente que não é todo tipo de gente que entende esse comportamento. Eu estava sendo o mais sincero que consigo ser ao lhe dizer que não me considero "galinha", e nunca duvide de que eu realmente queria você por perto. O grande problema do mundo é a dificuldade das pessoas em entender os diversos estágios intermediários entre o absolutamente certo e o completamente errado. Acredite, essa dificuldade, que é humana, explica quase todos os conflitos da humanidade. E é nela que você cai ao pensar que ou eu era um  rio largo em meio ao deserto, ao ser um cara muito bacana, sincero, monogâmico, ou seria um bicho safado que só se relaciona do ventre pra baixo. Há uma série de possibilidades entre os dois extremos, e eu não faço a menor questão de me enquadrar, de dizer para as pessoas onde exatamente eu estou. Vivemos numa época de GPS, radares, câmeras, todo tipo de controle e rastreamento, e essa lógica parece estar chegando as nossas vidas: deixe claro o que você é, qual é o seu "estilo", aonde você quer chegar, até onde você quer deixar alguém ir... Isso tudo é muito limitador, e talvez eu pense assim porque sou muito jovem. Mas o fato é que quando você me pede para dizer, quando questiona, procura se situar recebe e receberá sempre de mim respostas evasivas e pouco objetivas porque é essa área de minha existência que eu reservo para a pouca objetividade, para o incerto, para o não-racional. Eu realmente achei que seria o bastante para você tirar suas conclusões e fazer suas escolhas. Mas eu já sei que em certos momentos de nossa vida precisamos de mais certeza. Eu entendo, apesar de não concordar, por enquanto.
As suas recomendações quanto a minha conduta eu vou considerar, refletir sobre elas e, se for possível, tentar mudar pra melhor. Não me considero  totalmente coerente e sou bastante humano para assumir que não sou sincero durante 24 horas por dia, mas eu me esforço pra fazer o melhor. E eu vou adorar continuar contando com sua ajuda.
Desculpa a forma desconexa da resposta, eu estava me sentindo leve e em paz o bastante para te responder, então resolvi aproveitar o momento. Você sabe, normalmente eu prefiro ser mais seco, por vezes cruel, mas dessa vez não caberia. Eu só quero que fique tudo bem e que consigamos rir juntos outra vez... Talvez até dessa história toda, um dia... Quem sabe?

Um grande beijo de quem te admira, gosta muito, e  quer sempre por perto...”

- E TENHO DITO!
Pensou alto. Gritou. Dobrou a folha de forma apressada. Enfiou-a num envelope. Estava eufórico. Escrevera muito mais para si próprio do que para ela. Talvez por isso, estivesse se sentindo muito melhor.
Ele nunca entregou a carta. Eles nunca riram juntos. Naquela manhã ele tomou um banho, se vestiu, e foi para o trabalho, renovado. E assim, o ponto final de uma história marca o início da próxima. Sobrou a carta, documento histórico, enfiada num envelope sujo que o vento levou para debaixo do sofá.

sábado, dezembro 12, 2009

Sobre o tempo

Eu fico procurando algum acontecimento importante para discutir, algo que não tenha nada a ver comigo, mas acabo sempre voltando para o meu mundo particular. Não que eu não tenha me empolgado com a final do campeonato brasileiro ou não saiba que tem gente morrendo em enchentes, mas, sinceramente, entre as últimas coisas que causaram grande impacto na minha vida estão os relógios de uma relojoaria da esquina aqui de casa.

Os antigos têm aquele pêndulo que nos lembra o tempo todo que o tempo está passando. Em um deles, o ponteiro dá uma tremidinha cada vez que muda de lugar. Ele é um relógio confortável – dá a falsa impressão de que o tempo para, ainda que por alguns milésimos de segundo. Tempo para você conseguir respirar e colocar a cabeça no lugar. Mas não, a vida não para só porque você precisa de alguns minutos, ou alguns meses, para se recompor ou pensar melhor. O último relógio é a maior prova disso. O ponteiro dos segundos se move continuamente, sem nenhum movimento hesitante e em uma velocidade que faz você rever a sua concepção do que é um minuto realmente.

Eu fiquei observando esses relógios enquanto esperava que o meu próprio relógio fosse consertado – é um relógio barulhento e eu sempre ouço seu tique taque quando levanto o pulso até a altura da orelha para prender uma mecha de cabelo que insiste em cair no meu rosto. Mas é um tique taque que eu adoro. Tem algo de assustador mas também algo de excitante em saber que qualquer coisa pode acontecer, que ninguém sabe do futuro e que o tempo, ainda bem, não para.

domingo, novembro 22, 2009

“Tu falou com Zé que o João contou...”

Começa quando o cara se mostra muito educado numa conversa com a moça. Ele sorri, gentil e atencioso, e parece disposto a resolver algum problema dela, ao que ela responde demonstrando merecida gratidão. Tudo muito normal. No outro dia pela manhã, ele é indagado pela primeira vez: “você ta dando em cima daquela moça?” ou “cara de pau sua se jogar assim, você nem conhece ela direito!”, e pronto, está instalada e inaugurada mais uma fofoca.

A fofoca faz parte da história da humanidade desde... Sempre. A primeira ocorrência documentada remonta a época do paraíso, quando a serpente disse a Eva que Deus não queria que eles comessem a maçã porque ficariam mais espertos. De lá pra cá, toda grande história envolve pelo menos uma grande fofoca. Napoleão, Michel Jackson, Jesus e Getúlio Vargas são apenas alguns exemplos de grandes nomes da história mundial que sofreram com uma ou mais fofocas.

Se nem Deus nem o seu filho ficaram imunes, tenho de concluir que a fofoca é um mal necessário. Resta-nos descobrir a quem. Já tive oportunidades de demonstrar aqui a minha teoria sobre a necessidade humana de apreciar a desgraça alheia. Mas a fofoca vai além. Ela é a consolidação de uma ação coletiva para perpetuação da desgraça moral alheia. O que explica isso? Que necessidade social justifica esse tipo de atitude?

Meus amigos sociólogos me condenariam, mas eles não lêem blogs. Entendo que criar fatos moralmente degradantes sobre outras pessoas ajuda a reforçar o peso das regras morais de uma a sociedade. Ao inventar (ou aumentar) que fulaninho fez e aconteceu, sempre o fazemos atrelando sua atitude a uma conduta moral inaceitável: roubo, traição, viadagem, etc. Não existe fofoca do bem. Ninguém inventa que fui cercado por três loiras catarinenses e as rejeitei porque amava minha namorada. A idéia é de que há, no contexto da fofoca, algo de reafirmação do que considero inaceitável e da sintonia entre o que penso e o que vale para a sociedade que me rodeia. Se eu invento que Joãozinho usa calcinha rosa e ninguém acha absurdo, talvez seja o momento de rever meus conceitos. Provavelmente uma calcinha rosa não seja mais do que a última moda entre os galãs de novela. O mundo é flexível. A fofoca nos ajuda a acompanhar as mudanças na maré.

Você deve estar se perguntando se eu sou maluco ou ignorei propositalmente que a fofoca é (quase sempre) algo não intencional e ninguém reflete sobre como vai a sintonia entre suas regras e as do mundo enquanto tomam café da manhã. E se você pensou isso, tem razão. Onde está essa complexificação toda da fofoca, já que a maioria das pessoas a faz sem empreender nada semelhante a esse esforço reflexivo que cito acima? Há ainda aspectos que eu ignoro, como a indústria da fofoca retroalimentada pelo mundo das futilidades artísticas, e a fofoca gerada por problemas de comunicação, de fato. Fernanda me convenceu de que eu não tinha explicações convincentes para essas questões. Mas eu penso que, ignorando alguns aspectos que não consigo explicar bem, é possível fazer com que vocês concordem comigo.

Entendamos por fofoca aquela feita de propósito, gerada pelo mal que vez ou outra domina os corações humanos (e também pela necessidade de ver a desgraça alheia). A fofoca é apenas um meio de se fazer mal a alguém, como tantos outros. No entanto, os leitores devem concordar que há muito mais gente fazendo fofoca do que dando tiros nas cabeças dos inimigos. No fundo as pessoas sabem (em algum canto escuro do cérebro) que as regras morais são na verdade o que sustenta essa sociedade absurda e que agir apoiado nelas tende a dar certo, mesmo que seu objetivo seja destruir alguém, o que na maioria das vezes não tem nada de nobre. Quando eu invento uma fofoca estou, ainda que inconscientemente, examinando a moral do mundo que me rodeia e reavaliando o quanto essas regras estão introjetadas em mim e nos que me rodeiam, além de estar fazendo uma puta sacanagem a alguém. E quando a fofoca é gerada sem a intenção, percebe-se ainda o peso dos valores morais pelo simples fato daquilo ter se espalhado. A fofoca tem de ser interessante, e isso serve para qualquer um dos tipos: comercial, involuntária ou maldosa. Para ser interessante ela deve, primeiro, conter algum quinhão de desgraça alheia e, não obstante, atacar em cheio alguma convenção social mais ou menos difundida (e forte). De um modo ou de outro, a fofoca sempre exige a avaliação do que julgamos correto, e promove o diálogo entre o nosso conjunto de regras e os que a sociedade, naquele momento, sustenta.

Fofoqueiros são seres maldosos que querem destruir outro; ou simples desocupados que gostam (mais do que a média) de ver pessoas se dando mal; ou funcionários da imprensa marrom. Em todos os casos, a questão moral está presente. No entanto, como ninguém ainda me paga para fofocar, a segunda opção me parece mais agradável, então, quando eu fofocar sobre algum de vocês, considerem que sou desocupado o bastante pra me esforçar em ver alguém numa saia justa, por puro prazer. Perdoem-me e sejam felizes.

segunda-feira, outubro 12, 2009

O Fim e o princípio

Eles agora caminhavam pela grama da área externa do hotel. A vista era belíssima, com as montanhas cercadas de nuvens, arranhando o céu. O sol, que se escondia por detrás delas, era um simples enfeite:parecia querer contribuir para que o friozinho, que tornava aquele cenário ainda mais romântico, não fosse embora mesmo depois das 11 horas da manhã. O jardim do hotel enchia mais ainda o lugar de graça, com suas flores cobertas de orvalho. Estendia-se até o horizonte, formando, em conjunto com as montanhas, um cenário surreal típico de um quadro. A conversa continuou.
- Você não acha que o mundo de hoje é extremamente cruel? Não há mais espaço para quem falha. Não há mais perdão para os erros. Eu cresci achando que minha vida seria cheia de opções, e nunca foi. Eu sempre tive de fazer as coisas e tomar decisões no calor do momento. E hoje, olhando pra trás, vejo que poderia ter feito várias coisas de modo diferente se tivesse tempo para pensar. Isso me deixa ansiosa, com medo de continuar errando.
-Eu acho que essa sua inquietação passa pela indagação sobre o sentido da vida. É muito mais fácil compreender o que é a vida quando ouvimos quem já está no fim dela.
-Você e seus clichês. Não consegui tomar nenhuma decisão sobre minha vida conversando com meu avô, por exemplo...
-Talvez você nunca tenha feito as perguntas certas. Sabe aquele filme que te falei, sobre os velhinhos?
-Sim, eu gostei. Mas fiquei meio aflita... É tão estranho ser indagada sobre a morte hoje, quando a morte ainda me parece algo distante... Imagina a sensação de ouvir essa pergunta quando se sabe que a morte é iminente...
- Quantos deles estavam preocupados com a morte? Alguns, é verdade. Ouvir que a morte está próxima é aterrorizante, mas o que me surpreendeu é como eles falavam da vida que levaram. A vida sempre foi ótima, o casamento foi maravilhoso, independente dos critérios que usam pra dizer isso. E mesmo as adversidades foram boas porque provocaram algo de bom no futuro.
- É, tudo bem, mas a vida daquelas pessoas não apresentava opções. A resignação é necessária para que elas sobrevivam, até.
-Você tem mania de ver o lado negativo das coisas. O que eu vi ali é que, apesar da vida miserável que a maioria daquelas pessoas viveu, no fim parece que tudo valeu à pena e que, dentro do possível, elas fizeram escolhas que as levaram à felicidade. Ao contrário, a resignação vem da descoberta de que, apesar de tudo, a vida foi boa. Guardadas as devidas proporções.
-Então você quer dizer que vou ter que esperar até o final da vida pra descobrir que meus erros não foram tão graves e que eu acabei sendo feliz assim mesmo? Eu queria ter essa certeza agora.
- É complicado querermos ter a tranqüilidade dos idosos, essencialmente porque ainda não temos argumentos que justifiquem essa felicidade: filhos criados, casamento longo, realizações profissionais, etc., mas minha teoria é de que devemos buscar um pouco dessa resignação. A verdade é que a vida vai acabar sendo boa, de alguma forma.
-Como assim, a vida vai ser boa? E se eu não conseguir nada disso: família, filhos, dinheiro?
- É simples, se uma senhora que teve 14 filhos dos quais apenas dois sobreviveram, é viúva há 47 anos, é pobre e nunca saiu da cidade onde nasceu chega a conclusão de que a vida foi boa, a minha também será. Ou seja, eu vou conseguir, através de um grande esforço pessoal de auto-convencimento, chegar a essa conclusão, independente das besteiras que fizer na vida. Entende?
-Faz sentido.
- E o mundo louco do jeito que você mesma descreveu teria muito mais paz se as pessoas pensassem assim. Por exemplo, eu diminuí drasticamente minhas chances de enfartar antes dos 30 quando passei a pensar que, todas as vezes que a pessoa logo a minha frente na fila do caixa eletrônico precisar resolver toda sua vida econômica naquele momento, ou quando eu pego um engarrafamento de 3 horas por causa de alguém que furou o pneu no meio da rua, estou fugindo de algum problema mais grave ou ganhando uma oportunidade de, pelo menos, ficar mais um tempo sozinho e refletir mais sobre as coisas.
- Você é completamente maluco. Mas até que isso pode me ajudar mesmo. É meio óbvio que se as coisas não acontecerem da forma que esperamos, serão de outra forma que no fim também terá desdobramentos novos, e pode ser que acabem se tornando opções melhores que as iniciais. Mas eu nunca tinha pensando sobre isso numa perspectiva de resignação, de auto-convencimento. É impressionante como você chega a conclusões legais partindo de clichês típicos das novelas das oito.
- Eu agora pretendo te convencer a irmos pro quarto, eu vejo o jornal enquanto você me faz um chá quente. Será que consigo?
- Eu preferia aproveitar mais a paisagem, mas quem sabe se indo pro quarto você não resolve, finalmente, me pedir em casamento?
- Já me resignei em relação a isso também.
Eles sorriram um para o outro. Voltaram até o quarto, pressentindo que aquele momento mágico logo se acabaria. Em breve estariam novamente presos entre os carros no trânsito. Talvez, agora, com a lembrança do sorriso dos velhinhos do filme. E com o cenário surreal das montanhas.


P.S: Trecho do livro que escreverei, em breve;
P.S.2.: O filme do texto existe, tem o mesmo nome do título do post e é bem legal.

sexta-feira, setembro 11, 2009

"Todo enfiado" em nossas cabeças...

Nas ultimas semanas, um único assunto permeou certamente todas as conversas entre os soteropolitanos: a saga da Miss “Todo Enfiado”, mais uma entre as histórias de vídeos que, para infelicidade de seus protagonistas, ganharam a grande rede e viraram motivo de chacota nas rodas de amigos e notícia nos telejornais. Decerto que o assunto é por si polêmico, e que a desgraça alheia diverte, mas o que mais me incomoda em tudo isso são as interpretações dadas ao caso. Todas elas me parecem (me refiro apenas as que eu pude ouvir) rasas e precipitadas. Não falo apenas do povão, que sempre acha graça de tudo e transforma suas próprias desgraças em motivos de boas risadas, como estratégia de sobrevivência. Interpretações dadas por pessoas “estudadas” também me parecem extremamente infelizes. Vejamos.

A reação da sociedade é, em geral, extremamente machista. Uma mulher que se expõe ao ápice da conotação sexual de uma dança é - tão logo isso se torna público, posto que ninguém vá chamar de puta aquela que dança batendo coxa com você no forró, apesar da conotação sexual existir nos dois casos - taxada de “puta, piriguete, vagabunda,  merece se fuder mermo na moral”, expressão dita de uma só vez, como se fosse uma única palavra.

A conotação sexual da dança existe desde que dança é dança. A mulher é guardiã da sensualidade desde que surgiu a primeira saia, e com ela a primeira cruzada de pernas. Mas quando a sensualidade feminina se torna pública (ainda que nem sempre na forma extremada e reduzida praticamente ao órgão genital,como no caso que estamos tratando aqui) a moralidade vem à tona, e a crucificação da infeliz é inevitável. Seria um fenômeno social perfeitamente aceitável se valesse para todo mundo: algum homem que ficou “de sunga” nos velhos tempos dos ensaios da banda de mesmo nome, realizados nos mesmos porões do pagode regional, foi acusado de “pirigueto, vagabundo, ordinário”? Não, todo mundo (inclusive mulheres) achava massa. Ou melhor, as mesmas expressões, quando usadas no masculino, se tornam elogios. Maravilhas do nosso universo machista.
Minha dica pra galera que pensa assim é: Vamos deixar de hipocrisia, de justificar as coisas com esse pensamento machista retrógado, e tentar entender porque tanta gente age dessa forma, homens e mulheres. Porque sexualidade está tão banalizada? A coisa é muito mais profunda...

Aliás, por achar que a sexualidade está extremamente banalizada, é que discordo de pessoas que dizem que subir no palco e mostrar a profundidade em que está enfiada sua calcinha está certo mesmo, que a mulher tem se percebido como dona de seu corpo e de seus prazeres, e que esse tipo de atitude reflete um “empoderamento” feminino. Discordo. Aliás, não discordaria, se a coisa fosse assim mesmo. Se todas as mulheres que subissem naquele palco pensassem dessa forma, entendessem e cultivassem o prazer que sentem em se exibir e fossem felizes com isso, eu concordaria, e mais, diria que estamos mais próximos de um mundo perfeito. Contudo, as pessoas ali não resignificam nada. Todo mundo é permeado pelas mesmas sanções morais que fazem o conjunto da sociedade, em momento posterior, condenar essas mulheres.
A banalização do sexo faz parte de uma coisa maior, a banalização da própria vida. As pessoas de baixa renda, essencialmente as mais novas, não valorizam mais nada. Não há perspectivas, não há como se ter a vida que eles vêem nas novelas, então vamos “cair de boca e fazer a putaria”. Esse é o pensamento que se vê entre jovens de escolas públicas, pessoas de baixa renda que acredito serem o público alvo daquele tipo de espetáculo. Pior: a estratégia de chocar é provavelmente a única chance que aquelas pessoas têm de alcançarem seus poucos minutos de fama. Não há nada de moderno e emancipatório nisso. É só mais uma faceta da pobreza: a de espírito.

Vocês devem estar se perguntando: “mas a personagem era uma professora, empregada”. Bom, eu realmente acredito que ela acabou entrando no clima excedendo os limites que pretendia.  Não podemos perder de vista que aquilo é feito ( ou foi) todas as semanas, e nunca deve ter faltado mulheres, que certamente não estão na mesma condição social dela. Bom, pelo menos ela proporcionou essa reflexão. Que a Miss “Todo Enfiado” aproveite seus minutos de fama, mas que a história mude. Que a putaria seja eterna, mas que as motivações sejam as que os meus amigos esclarecidos imaginam. Amém.

p.s.: Texto escrito originalmente para os amigos deste blog.

terça-feira, setembro 01, 2009

Birthday

Bem, aconteceu e é irreversível. Eu tenho oficialmente 25 anos. Vinte e cinco primaveras durante as quais eu chorei (muito, mas muito mesmo), ri (especialmente no segundo ano do colégio), fiz ballet, li todos os livros da Agatha Christie, passei noites sem dormir por causa de Poltergeist, A Coisa e O Chamado, me apaixonei idiotamente por 80 pessoas diferentes, tive outras 80 pessoas idiotamente apaixonadas por mim, comecei a cogitar os implantes de silicone (essa é recente), passei cinco anos na faculdade sem conseguir me formar (ainda) e, acima de tudo, não aderi à depilação profunda-ultra-completa.

Bem, acho que o número 80 é um certo exagero. Mas eu realmente li todos os livros da Agatha Christie em algum momento antes de completar meus catorze anos. E acho mesmo que meus seios vêm encolhendo de uns três meses para cá. Quanto à faculdade e à depilação, (quase) todo mundo que me conhece já me ouviu falar no assunto. Todo mundo quer saber porque é que eu não consigo terminar a maldita monografia (eu juro que também não sei) e porque é que eu não aderi à moda depilatória em voga entre as minhas amigas. Deve ser por conta de algum tipo de pudor ilógico, mas o fato é que só de pensar em descrever o procedimento eu já sinto arrepios.

Enfim, voltando às 25 primaveras. Eu ainda moro com os meus pais, não me formei, ganho 1/5 do que eu esperava estar ganhando a essa altura, tenho algumas rugas ao redor dos olhos e não encontrei o grande amor da minha vida, eu acho. Mas, em compensação, eu tenho sapatos lindíssimos e mais gente querida na minha vida do que deveria ser permitido a uma jovem mulher que passa a maior parte do tempo de pijamas. E eu adoro meu trabalho. E eu adoro meus planos para o meu trabalho. E eu sei que não ganho dinheiro nenhum com isso, mas eu adoro falar sobre o drama em que eu consigo transformar a minha vida pacata neste blog. E foi por isso que resolvi escrever um post comemorativo e compartilhar algumas das grandes (e profundas) lições que aprendi nesta vida.


O postal de Birthday, de Marc Chagal, que encontrei em meio às tralhas que trouxe dos States é, por motivos óbvios, meu mais recente marcador de livros. Esqueci de incluir entre as lições, mas ter marcadores de livro lindos faz bem à alma.

Lição n° 1:

Peça para nascer homem na próxima vida. Ou melhor, exija. A única coisa que você vai perder, se você é mulher no momento, é a oportunidade de usar sapatos maravilhosos, que costumam custar os olhos do cara e ter saltos de 10 a 15 centímetros de altura. Bem, pensando bem, isso não parece tão bom. Em compensação você irá se poupar de cólicas menstruais, alterações bruscas de humor e da incrível experiência do parto, durante a qual um buraco que normalmente mede 1 cm de diâmetro passa a medir 20. E mais, você será capaz de entender a lógica dos campeonatos de futebol e descobrirá por si próprio, sem a sua irmã mais esperta ter que lhe jurar de pés juntos, que é possível o seu namorado estar assistindo ao jogo do Flamengo com os amigos no domingo, na quarta e no sábado. Se bem que isso só vai servir caso você seja gay.

Você também poderá compartilhar daquela camaradagem própria dos homens e participar do “dia do bigode”. Sim, os homens são capazes de criar coisas tão inusitadas quanto o dia do bigode. É o dia em que todos os que vão àquela festa devem usar bigode, idéia de um dos DJ’s. O dono do lugar, que sofre de bigodofobia, pergunta na cozinha: foi você? Foi você? Foi você que colocou todo mundo de bigode? Eu sei que foi!

Nós mulheres não conseguimos fazer essas coisas. Primeiro porque, pelo menos a maioria de nós, não tem muito sucesso quando o assunto é crescimento de bigodes. Segundo porque a maioria de nós está sempre ocupada demais tentando provar que é melhor do que as outras. Assim não sobra tempo para camaradagens esportivas e piadas de sacanagem durante o expediente.

Lição n° 2:

Toda história tem dois lados. É possível até que um homem, contrariando o que eu digo, prefira nascer mulher, embora isso seja pouco provável na maior parte dos casos. Não existe uma verdade absoluta. Não há heróis ou vilões. Tudo depende de quem conta a história. É como a caneca de chá que eu ganhei do pessoal do meu trabalho, decorada com um desenho de um gato que parece um coelho: de um lado você vê os bigodes e as orelhas do gato, e de outro você vê seu rabo. A vida também é assim. Enquanto você está olhando para frente, tem alguém olhando sua bunda.

É como o que meu amigo do pão com geléia, que não cansa de me dizer coisas que conseguem ser tão banais e ao mesmo tempo tão geniais, me disse sobre as pessoas escorregadias. Elas não se enxergam assim. Elas dizem que vão te ligar em cinco minutos e te ligam em 40. Então quebram o gelo perguntando: por que é que você está com essa vozinha? Não é uma estratégia calculada (na maioria das vezes). É simplesmente como as coisas são. Elas não necessariamente têm uma teoria sobre as próprias ações. Deixam na gaveta do que é natural. E se precisam se justificar, dizem: eu sou assim. Donde se conclui que, muito provavelmente, as versões dos fatos são completamente diferentes, e que para o escorregadio você pode ser uma pessoa difícil e impaciente, ou insegura, ou sei lá, que não entende o que quer que seja. Daí as construções que fazemos sobre as outras pessoas terem tanta chance de estarem erradas – porque elas são baseadas em perspectivas, não em fatos.

Lição n° 3:

Planeje suas férias. Ou melhor, conhece-te a ti mesmo. Eu sei que essa história de deixar as coisas acontecerem é linda, mas não se aplica a todos os setores da vida. Você corre o risco de embarcar na primeira canoa furada que passar e acabar numa casa cheia de tarados em Florianópolis – o que não é ruim por si próprio, desde que você goste de participar de surubas. E você tem que levar em conta, é claro, que depois dos 25 a vida não é mais a mesma. A maior parte de nós só tem férias uma vez por ano, e não dá para sair desperdiçando seu tempo por aí. Eu mesma já aprendi com meu erro e já planejei minhas próximas férias: vou comprar uns dez romances de mulherzinha da Marian Keyes e me internar em um Club Med da vida, onde vou passar duas semanas recebendo massagens e me enchendo de drinques exóticos à beira da piscina.

Lição n° 4:

Nunca, jamais, em hipótese alguma, tente definir o que é um amigo. Você corre o risco de deixar de fora as melhores pessoas da sua vida, ou então de incluir as piores. Deixe isso sempre em aberto.

Lição n° 5:

Mude de cheiro sempre que você terminar um namoro, fizer aniversário, começar um novo ano ou estiver simplesmente se sentindo péssimo. Mude o xampu, o sabonete, a loção hidratante, o perfume, o sabão em pó... Assim você engana seu cérebro e começa a acreditar que é uma nova pessoa. Todo mundo sabe o tipo de sentimento que a memória olfativa é capaz de despertar. Até hoje, quando eu sinto o cheiro de Rexona Power e Floratta in Blue, eu retrocedo no tempo uns dez anos e me transporto para as tardes de risadas na casa de uma das minhas melhores amigas. Um amigo meu me contou que, logo depois que terminou com a namorada, ele sentia tanta saudade dela que passou a usar o mesmo sabonete que ela só para ficar se debulhando em lágrimas no chuveiro – o que comprova a minha teoria de que a memória olfativa é a grande culpada por recaídas e dores de cotovelo.

Grand Finale ou lição bônus:

Comemore seu aniversário, sempre. Não importa se você vai dar uma grande festa para 200 pessoas, cantar parabéns com um bolinho que sua avó fez, sentar em um botequim para tomar um porre com seu único amigo ou passar 24h trancado em um quarto com o grande amor da sua vida. Por mais que você esteja péssimo, chorando no chuveiro com o sabonete do ex, ganhando menos dinheiro do que deveria ser permitido, com bolhas nos pés por conta daquele sapato lindo, sentindo-se mais sozinho do que nunca, essa é a sua história. Então comemore. Sempre.

quarta-feira, agosto 26, 2009

“É sangue mesmo, não é mertiolate”

Horário de almoço. Uma hora para relembrar como é bom não fazer nada, comer muito e falar bobagem. Apenas uma hora do seu dia de trabalho, a qual o empregador benevolente lhe oferece para que você lembre como é bom um fim de semana. Todavia, tive meu momento de prazer interrompido por cenas bizarras. Foi no meu horário de almoço que vi aquela explosão de bizarrices exibida por um tubo de imagens pela primeira vez.

Duas coisas sempre me fizeram mudar de canal na TV: a imagem de Fausto Silva ou um “merchan”. Ao contrário do que se diz por ai, ninguém muda de canal por ver uma imagem de violência, seja ela um quebra pau generalizado ou uma morte ao vivo. É estranha essa nossa excitação com a desgraça alheia... Mostrar desgraça prende a atenção de qualquer pessoa, de qualquer classe social. Penso que esse sentimento vem da certeza de que iremos morrer e talvez de uma forma bizarra como as que vemos espetacularmente na TV. O sentimento é “pô, ainda bem que ainda não foi comigo”. De qualquer forma, sempre me pareceu terrível querer ver repetidas vezes alguém vivendo o seu próprio pesadelo, e de fato é difícil encontrar alguém que discorde do sentido bizarro que tem essa excitação com a desgraça alheia... Mas o fato é que ela existe e que as emissoras de TV já descobriram isso há muito tempo. Programas como os de Ratinho, Datena e outros tantos senhores barrigudos que xingam os ladrões e elogiam o trabalho da polícia, sobrevivem, ano após ano, utilizando a mesma fórmula.

Naquele dia, sentado e almoçando, eu já sabia de tudo isso e já achava muito comum, a despeito de ser bizarro. Mas uma coisa me assustou: como pode alguém transformar em piada, em chacota, em quadro do “Zorra Total” a desgraça alheia? O “programa” exibia imagens de corpos fuzilados, estupradores sorrindo e assumindo a culpa, mães desesperadas por terem seus filhos viciados presos por roubos e furtos, tudo isso acompanhado de uma trilha sonora entusiasmada e efeitos sonoros cheios de risos e expressões “hilárias”.
Não é compreensível. Não é nem humano. Que as pessoas gostem de ver desgraças, vá lá, com isso eu já tinha me acostumado. Mas transformar a desgraça de nossas favelas em programa de humor? É sinal de algum respeito transparecer algum horror com esse tipo de cena, ainda que se queira vê-las novamente, todos os dias, de segunda a sábado, das 17 às 19. Rir não! Fazer musiquetas não! Já é demais pra minha cabecinha. No dia em que pararmos de fingir que ficamos horrorizados com coisas horríveis, o mundo estará próximo do fim.

Na busca desesperada por outros rostos com expressões de revolta, resolvi olhar ao meu redor dentro do galpão onde almoço. Imaginem vocês que o programa era, de fato, de humor, porque as pessoas sorriam, e pediam pra aumentar o volume, e sorriam mais. O espetáculo da bizarrice ganhou novos contornos, avançou, se sofisticou, e eu, pelo visto, parei no tempo. Hoje em dia vidas destruídas pelo tráfico ou ladrões sendo mutilados têm graça. É hilário. E eu ainda não sabia. Lembrei de uma música da Legião:

"É sangue mesmo, não é mertiolate”
E todos querem ver
E comentar a novidade.
"Ó tão emocionante um acidente de verdade."
Estão todos satisfeitos
Com o sucesso do desastre:
"- Vai passar na televisão."

E continua passando na televisão. E no horário de almoço.

Eu engoli o último garfo de feijão concluindo que um país onde se dá um prêmio de um milhão de reais a um cara como Dado Dollabela, nunca terá salvação (depois fui alertado pelo lado feminino da relação sobre como isso parece “um lugar comum vazio”. Realmente parece! Mas como fazia parte do raciocínio inicial, mantive, apesar de concordar com a crítica. O que seria de nós sem o lado ácido feminino das coisas?) O espetáculo de horror, contudo, ainda é opcional. Não preciso me revoltar ainda. Como é bela a democracia! Continuarei almoçando, não vou mais tentar salvar o mundo, e já defini meu lugar favorito do galpão: qualquer um que me deixe de costas pra TV. Bom apetite, para todos nós.

sábado, agosto 15, 2009

Ah, o amor...

Uma amiga minha chegou aqui em casa há alguns meses chorando. Acho que todo mundo já passou por isso – se apaixonar por uma pessoa que, por mais que tente, não consegue se apaixonar por você. Naquele dia ela tinha ouvido a desistência do seu objeto de desejo. “Não é você. Sou eu”. Eu fiquei com pena, mesmo, porque há pouco tempo ela tinha ouvido de outro cara que ele não queria namorar ninguém naquele momento, que não estava pronto para isso, mas que se tivesse que namorar alguém seria ela. Menos de um mês depois ele começou a namorar... outra.

Então, bêbada e completamente imunda, sentada na minha varanda, ela chorava tanto que dava dó, e continuava repetindo a mesma coisa: por que eu? Por que é que as pessoas não se apaixonam por mim? Olhando de fora parece ridículo, tão ridículo quanto as bobagens que a gente pensava quando tinha quinze anos. Eu mesma já acreditei que nunca mais iria me apaixonar por ninguém, e na última vez eu já tinha bem mais do que quinze anos. Mas olhando para ela ali naquele momento, eu não sabia o que dizer.

Minha irmã tinha um livro que eu adorava e que até hoje eu não sei como foi parar nas mãos dela, que nunca gostou muito de ler. Era uma versão de bolso de Dias e Noites de Amor e de Guerra, de Eduardo Galeano, o mesmo autor de As Veias Abertas da América Latina, que eu nunca tive saco de ler. É um livro de memórias, e eu acho que li umas mil vezes. Um dos trechos que me marcou foi um em que ele conta sobre o dia em que a filha pequena chegou da escola chorando e ele foi perguntar o que tinha acontecido. Ela e a melhor amiguinha tinham “terminado”, e a única reação que ele teve foi colocá-la no colo e chorar junto com ela. Era isso o que eu queria ter feito por minha amiga. Eu sabia que tudo o que ela dizia era bobagem, mas ainda assim eu sabia exatamente como ela se sentia. Quem nunca se sentiu assim? Como se não fosse merecedor de nenhum amor e sem saber o por que?

Eu sei que quando alguém diz algo do tipo “Não é você. Sou eu”, no sentido de “não é você que não é boa o bastante, sou eu que não estou pronto”, diz com a melhor das intenções. Mas acho que às vezes as inverdades que a gente conta para não magoar um inocente acabam magoando mais do que se tivéssemos dito a verdade nua e crua. Afinal, se apaixonar não é bem algo que a gente escolha, é algo que acontece. Sim, céticos e sociólogos, não estou dizendo que amor seja algo metafísico ou que nosso horizonte de escolha não seja determinado por uma série de variantes, mas, ainda assim, em geral, o amor é algo que simplesmente acontece.

Acho que teria sido mais fácil para minha amiga ter ouvido algo do tipo “eu tentei, mas não consegui me apaixonar por você”. Teria doído mais na hora, mas não teria magoado tanto quanto saber, um mês depois, que a questão não era o fato de ele não estar pronto para um compromisso, mas sim de que ela não era boa o bastante para ele querer um compromisso.

Minha irmã sempre me diz que tem verdades, ou melhor, formas de dizer a verdade, que eu sou a única pessoa do mundo que quer ouvir. E mais. Ela diz que eu deveria perdoar as pessoas por mentirem para mim, afinal, elas só estão me dizendo o que elas pensam que eu espero escutar.

Eu me lembro que uma vez eu acusei um dos meus “amantes” de ter percebido que eu estava apaixonada por ele e que, mesmo sabendo disso e sabendo que não queria nada sério comigo, não me disse nada. Foi simplesmente levando a coisa para ver onde ia dar, sabendo exatamente onde ia dar – em merda (eu simplesmente não tenho outra palavra). E me lembro bem da resposta dele: “Mas você queria que eu fizesse o que? Se eu tivesse te dito que eu não queria nada sério sem antes você ter me dito que queria, seria muita presunção da minha parte”. Bem, ele partiu meu coração para não parecer convencido. É a defesa mais idiota que eu já tive oportunidade de ouvir. Não que eu mesma já não tenha feito pior.

O que me faz lembrar mais um episódio das minhas férias: quando meu primeiro grande amor veio me pedir desculpas por todo o mal que me causou quando tínhamos dezesseis anos. Ele anda sofrendo por amor ultimamente, e está convencido de que é tudo por causa do carma – todo o sofrimento que ele causou está voltando para ele. Imagino se o mesmo já não aconteceu comigo.

Minha prima, que, apesar de ser filha de um dos piores divórcios que eu já presenciei, acredita genuinamente no amor romântico e em príncipes encantados (acho que é porque ela já encontrou dois), defende a teoria de que todo sacana já foi sacaneado um dia, e que sua vítima, inevitavelmente, se tornará um futuro sacana. Ela acredita tanto nisso que ela não tem medo de ser sacaneada – ela tem medo de se tornar uma sacana. Segundo ela, esse círculo vicioso se repete eternamente e estamos todos (menos ela) fadados a nos foder (faltam-me palavras melhores de novo) no amor. Nossa única chance é encontrar alguém que ainda não tenha sido sacaneado, e isso antes de nos tornarmos sacanas. Acho que só os menores de dez anos tem salvação então.

Bem, se eu terminar mais esse post dizendo que, apesar de tudo isso, eu ainda acredito no amor, alguém vai me bater, não tenho dúvidas. Mas é verdade, o que é que eu posso fazer? Eu já cansei de ver o passado transbordando no presente, e sei bem que um coração partido dificilmente se abre para o novo, e que só de se fechar ele já parte outros corações. Mas desde que não adotemos uma filosofia Cazuza de amar, acho que todos temos salvação. Afinal, o amor não deixa de ser amor só porque acabou. É como aquela história do casal que se divorcia depois de 30 anos de casamento e alguém diz: que pena que não deu certo. Mas deu certo! Deu certo por 30 anos. Tudo bem que hoje em dia nada dura 30 anos, mas e daí? Vale pelo que durar. E assim manteremos nossos corações partidos funcionando e seremos todos felizes para sempre.

terça-feira, agosto 11, 2009

Sobre Visitas ou “Déjà vu”

(Não vou explicar o título, vou direto a história. Pelo menos uma vez na vida deste blog, não vou começar o texto me explicando. Dizem que os posts que começam com parênteses são sempre legais. Vamos nessa.)

Saímos para abrir os caminhos do fim de semana. Sem rumo definido, o jeito correto de se encontrar coisas interessantes. Guiados por uma série de conexões derivadas do sistema caótico que gere as mentes das pessoas numa sexta à noite, fomos parar naquele lugar. Um lugar que remontava um passado complexo, construído através de visitas a um lugar que, na verdade, eu deveria habitar. Explico.

Passei cincos belos anos de minha vida em São Lázaro¹. Durante esse tempo fiz grandes amigos, muitas besteiras, aprendi a ler e a escrever e fui relativamente feliz durante uma parte considerável dos dias. Contudo, eu nunca pertenci a São Lázaro. Sim, porque aquele lugar é habitado por seres que praticam a arte de se conectar completamente ao ambiente, criando raízes que sugam energia (e os prendem, ao mesmo tempo) daquelas terras. Conseguem criar uma sinergia tão grande com o local que param no tempo, alimentando uma saudade imensa dos tempos em que era permitido sonhar com um mundo diferente, de uma forma mais geral, aquele mundo pelo qual clamaram tropicalistas e Woodstockianos, onde seria “proibido proibir”. E, melancólicos, se abraçam e se beijam lamentando profundamente não terem sido abençoados o bastante para o terem presenciado. Juntos, pessoas e ambiente, formam um complexo sistema que, resistindo, por seu conjunto de forças e por uma certa indiferença do resto da sociedade, tornou-se uma sobrevivência, uma ilha estacionada temporal e espacialmente, na quina da federação.

Eu não me encaixo nesse perfil, como parece fácil supor. Não lamento não ter usado as roupas de gosto duvidoso lançadas por Caetano, muito menos já tive vontade de habitar uma barraca daquelas com homens brancos que não tomavam banho em Woodstock. Cinco anos e algumas crises existenciais depois, aprendi a conviver, compreender e até mesmo gostar disso. É estranho perceber que vivi coisas legais NO lugar, mas nunca fui DO lugar. Não contribui para que a ilha São Lázaro continue viva, mas prefiro acreditar que sai de lá tirando o melhor que poderia: um diploma e alguns bons amigos. Eu realmente prefiro acreditar nisso.

Contextualização realizada, voltemos a sexta a noite. Ao entrar, vi pessoas sentadas no chão, trajes são lazarinos típicos, tatuagens e cigarros acesos. Os mesmos abraços e beijos melancólicos... Tive vontade de voltar e pedir meus 10 reais de volta. Nos 30 segundos que seguiram após a minha recusa ao ambiente, resolvi deixar de ser tão chato e bobo e tentar me divertir. Eu tinha resistido tão bem aos cinco anos na ilha, por que não tentar pro mais três ou quatros horas?

Não foi nada desagradável. Sabe, eu sempre admirei a forma como aquelas pessoas se mostravam felizes, ignorando parcialmente o mundo que lhes rodeia (sim, o exagero faz parte do estilo do blog). E existe forma mais eficaz de ser feliz do que a ignorância proposital? Eu acho que não. Eu revi alguns rostos, tomei algumas cervejas, curti muito o som, e me diverti um bocado. Há muito de belo e mágico naquelas pessoas, naquele ambiente. Talvez isso fique mais claro numa festa, mas o conjunto do som, da cerveja gelada e dos rostos conhecidos me fez ter certa saudade de São Lázaro. E nessa hora eu percebi o quanto aquela ilha se faz necessária, num mundo tão parecido com o resto do mundo, em que as pessoas querem sempre as mesmas coisas, e o “sistema” se encarrega de (re)produzir cada vez mais e em maiores detalhes, a fórmula de felicidade que, penso eu, não deveria parecer tão perfeita assim para tanta gente. Pensar em São Lázaro me faz ter ainda mais certeza de que há algo de muito errado nesse mundo em que vivemos, e que a ilha, ainda que minúscula em relação ao resto do mundo, se mostra como um contraponto a essa realidade.

Aquele momento me fez entender o que representa a minha passagem (e a de tantos outros amigos) por São Lázaro. Somos (ou éramos) visitantes. Nunca fiz parte daquilo completamente, mas sempre interagi de forma satisfatória em relação a retirar o melhor que poderia, dentro dos meus objetivos. Não quero dizer que não há relevância naquelas pessoas, ou que meus objetivos são maiores ou melhores que os deles. São apenas diferentes. E vivendo essas diferenças, visitando aquele ambiente por cinco anos, aprendi que precisamos de mais diferenças, de mais convivência com o diverso. Que São Lázaro continue viva, para que eu possa visitá-la. Foi meu último pensamento antes de dormir, as 04h30min da madrugada de sábado...



1. São Lázaro, como é comumente conhecida a Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA.

domingo, junho 21, 2009

Eu me arrependo

Sabe, eu sou um cara feliz. Isso é quase impossível de negar, apesar de continuar tendo leve inclinação pelo sofrimento. Gosto do lado sombrio da vida e acredito que do sofrimento nascem as melhores obras de arte, mas, contudo, não consigo negar que sou, de fato, feliz, o que de certa forma inibe meus talentos artísticos...
Considerações íntimas à parte, dizer que sou feliz não significa, em nenhuma hipótese, que eu não me arrependo de coisas que fiz no passado. Não sei de onde veio esse clichê de que pra ser feliz não se pode ter arrependimentos. Penso que dos arrependimentos nascem as oportunidades de não repetir certos erros. É disso que eu quero falar.
Uma vez tive uma namorada. Faz tempo, tínhamos pouca idade. Ela foi a primeira mulher a me dizer que me amava, no sentindo romântico da expressão. Eu também a amava, eu acho. O beijo era bom, ela era divertida e eu a achava particularmente linda, com os cabelos cacheados e um sorriso largo, sincero. Era meio gordinha, mas eu gostava desse detalhe, também.
Ela se perdeu. Eu a perdi, aliás. Um dia ela disse que iria se mudar. Eu fiquei triste, chorei. Mas ela mudou de bairro, coisa de pegar um ônibus. Eu nunca fui visitá-la, nunca telefonei nem mandei uma carta. Ela me procurou algumas vezes, e eu nunca dei a importância que deveria dar a uma pessoa que, de fato, era a única que me fazia tremer de ansiedade. Eu pensava que aquilo era normal, e aconteceria com a próxima. Não aconteceu, e levou muito tempo pra voltar a acontecer.Ela cresceu, sumiu, e reapareceu, em um reencontro já descrito de forma melancólica neste mesmo blog.
Não teria dado certo. Ela virou modelo, ficou ainda mais linda e foi morar em outro país. Eu não teria acompanhado nem apoiado nenhuma dessas etapas da vida dela, e certamente o namoro terminaria. Mas e o caminho? Não é isso que importa? E todas as coisas bonitas que teríamos vivido? No reencontro, vivido há mais de dois anos, percebi que havia me tornado um estranho pra ela, e a recíproca era muito verdadeira. Como teria sido o final, se eu chegasse a deixar aquele sentimento superar as vergonhas e crises de um adolescente comum? Como eu poderia ter mudado a história dela?
Essas considerações pueris e probabilísticas (é correto dizer isso?) não chegam ao ponto que eu quero. Não posso dizer que vivi algo nesse tempo que preencheu a relação que poderia ter vivido. Quando você deixa de viver algo assim, nada ocupa o lugar. O vazio permanece, é uma possibilidade jogada fora que nenhuma das outras a que eu tenha escolhido podem suprir. A questão não é o que a relação mudaria em nossas histórias, e sim o que ela acrescentaria a mim, como pessoa. Certamente coisas que nenhuma outra relação adicionou. Uma coluna que fica vazia, e continuará vazia por impossibilidade de recriar as condições capazes de ressuscitar aqueles momentos vividos dentro de um dado contexto...
Eu acho que aprendi. Aprendi bem até demais. Jogo-me em tudo. Vivo tudo. Quero tudo. Talvez mais coisas do que deveria. Possivelmente coisas que tiram mais de mim do que me devolvem. Mas eu vivo. É o que preenche as colunas. É o que me faz ter o que contar. É assim que vai ser, até que um novo arrependimento me prove o contrário.
Aqui fica a homenagem à minha querida primeira namorada. Reitero a esperança de que, de alguma forma, eu a tenha feito descobrir uma coisa tão importante pra vida dela quanto a que ela me possibilitou descobrir.


p.s.: Esse blog agora vive uma nova fase. Casei, meus caros, ainda que apenas bloguisticamente. Façam bom uso dos textos de Nanda, que eu já adorava e agora vou poder ver com mais freqüência e proximidade.

Fotografia

Eu tenho pensado muito sobre o tempo. Acho que é normal. As pessoas estão se formando, se mudando, se casando, e logo eu vou fazer 25 anos. Um quarto de século, não deixa de ser um marco. E quando eu olho para trás, tem tanta coisa! Nem parece que são só 25 anos. E na maior parte do tempo a gente tem a impressão de que o tempo não está passando, ou de que não está acontecendo nada, o que é completamente irônico. Eu me lembro da época do colégio, quando eu e minhas amigas chorávamos de rir, literalmente, pelas coisas mais banais. E me lembro de como eu acreditava sinceramente que aquilo ia durar para sempre. Hoje eu não tenho mais notícias da maior parte delas, e nem me lembro de qual foi a última vez em que eu me dobrei de rir daquele jeito.
Com o tempo a gente ganha essa consciência de que as coisas não duram para sempre – desde as mais importantes até as mais triviais – e então duas coisas totalmente opostas podem acontecer. Ou você começa a aproveitar muito mais o que você tem ou você se apavora tanto com medo de perder o que você tem que acaba não aproveitando o tanto quanto poderia. E infelizmente eu devo confessar que é nesse último caso que eu me enquadro.
Acho que eu consegui estragar uma centena de experiências e situações que poderiam ter sido (mais) maravilhosas por conta desse medo. E o pior é que eu tinha consciência disso, mas não conseguia entender como era possível que as pessoas soubessem que as coisas eram efêmeras e viver em paz com isso. Eu ficava tentando imaginar uma forma de eternizar as coisas, de fazer o tempo parar e preservar para sempre aquilo que me era precioso, como em uma fotografia. Eu não entendia que às vezes a gente nem sabe realmente se algo é bom ou ruim até perdê-lo, e que não há mal nenhum nisso. As coisas acontecem, boas ou ruins, se prolongam ou não, e uma hora acabam, necessariamente. E isso é tão simples e não é nenhuma novidade. A novidade é que isso não me parece mais a coisa mais triste do mundo.
Eu me lembro que, há não muito tempo atrás, eu estava andando em um estacionamento vazio, de mãos dadas com uma pessoa por quem eu estava sinceramente apaixonada, quando, sob um céu sem estrelas e numa noite absolutamente comum, ele me puxou para dançar. Me girou em torno de mim mesma, olhou nos meus olhos e me fez rir. E riu junto comigo. E eu fui embora sem pensar no fato de que aquele momento bobo e mágico não aconteceria nunca mais. Aquele exato momento não se repetiria mais, mesmo que passássemos toda a nossa vida juntos, mesmo que parássemos de envelhecer, que o mar não estivesse subindo e que as estrelas se escondessem para sempre. E a ironia está no fato de que eu era incapaz de compreender que a beleza de todas as coisas está exatamente aí, no fato de que elas são únicas e que não se repetem mais.
Acho que o mal era que eu sempre achava que coisas mágicas e maravilhosas não iriam acontecer mais para mim, como se eu já tivesse gastado a minha cota de felicidade e não merecesse mais um pouquinho. E é incrível como eu conseguia pensar uma idiotice tão grande! Na verdade, eu estou abismada até agora com isso, com o fato de que as coisas são tão simples e estão na minha cara e eu insisto em não querer vê-las. E eu estou feliz. Estou me achando uma grande idiota e estou feliz. Estou olhando para trás e vendo o tanto de infelicidade que eu me causei e a outras pessoas e estou profundamente feliz. O meu velho inimigo, o tempo, me deu mais uma chance de perceber que é uma bobagem correr contra ele e de que não há nenhum mal ou bem definitivo. Nada melhor do que um dia após o outro.

quinta-feira, março 26, 2009

Duas coisas

Escrevo porque fui incomodado. O texto anterior, apesar de não ser lá muito surpreendente para quem já teve oportunidade de dividir anseios com a autora (rs), me fez pensar numa série de coisas sobre minha própria vida, minhas metas e meus sonhos.
Não sei quantos de vocês concordam, mas eu tenho uma teoria: por mais que definamos os rumos a seguir, tracemos planos e implantemos em nossas vidas planejamentos estratégicos voltados para o fim de ter dois filhos lindos e uma casa na praia, o que define em que beco vamos parar é o bendito acaso. Sim, aquele fato isolado que acontece porque você deixou de planejar uma ínfima parte de seu dia, esse pequenino fato definirá as mudanças nos seus planos, que por sua vez o levarão a um novo momento casual que mudará sua vida.
Eu poderia citar inúmeros exemplos, mas como seriam de minha própria vida - e sendo ela levemente confusa - a teoria não estaria fundamentada. Vamos lá: quantos de vocês conheceram um grande amor numa festa que não queria ir? quantos foram parar num dado lugar por conta da insistência de um amigo e lá descobriram uma oportunidade que mudou sua vida? Quantos optaram pela sociologia (ou pela química orgânica) por terem assistido a uma aula, uma única aula, que deu sentido a todo o conjunto de informações que você ja assimilara durante a trajetória? Todas essas coisas aconteceram comigo e, alimentado pela curiosidade inquietante que incomoda quase todos aqueles que tiveram um contato mais ou menos demorado com as ciências sociais, procurei investigar as vidas alheias. Fiquei surpreso ao saber que meu chefe se tornou engenheiro porque cancelou uma viagem à europa na véspera do embarque, e que meu tio conheceu sua mulher por causa de um pneu furado... para ficar nos exemplos mais emblemáticos.
Isso me faz discordar de Fernanda. Não acho que a pretensão seja suficiente para vencer o poder do acaso. Por exemplo: eu não gosto dos livros de Paulo Coelho. Se o cara que leu o primeiro ensaio de Paulo Coelho e abriu caminho para o lançamento do seu primeiro livro pensasse como eu, nada disso teria acontecido, ele poderia encher o saco ou arrumar um emprego, ou ainda ser aprovado num vestibular para física e descobrir que os estudos sobre a relatividade eram sua verdadeira "vocação". É só para provocar um ponto, posso desenvolver melhor minha linha de raciocínio depois, mas agora quero falar de mais uma coisa.

***

É incrível como a mediocridade tem vencido a genialidade nos tempos atuais. É certo que os gênios, quase sempre, têm sua genialidade reconhecida muito tempo depois de descerem os sete palmos de chão. Porém, como vivo neste tempo, e por isso temo sentir tudo incrivelmente mais absurdo nesse tempo, por ser o único em que viverei, defendo que a vitória da mediocridade têm sido ainda mais contundente.
Eu sou a favor da completa adoração dos gênios. Isto porque eu não sou um gênio, eu reconheço que não o sou, e por isso admito, com relutância, que só é possível levar a vida mais ou menos confortável que tenho hoje porque existiriam e continuam a nascer gênios, grupo do qual não faço parte, o que me leva a pensar que minha existência é um favor. Um favor concedido pelos gênios.
Por pensar assim, me irrita profundamente que pessoas mediocres sejam capazes de destruir a reputação e a obra de gênios. Fico furioso quando vejo, por exemplo, Caetano Velloso tendo de se defender de críticas de um fofoqueiro qualquer que escreve anonimamente numa coluna de jornal. Ou quando vaiam João Gilberto. Até mesmo quando condenam Ronaldo por ter dormido com três travestis.
Deixo aqui meu repúdio à repressão a genialidade. Uma sociedade onde se ridiculariza os gênios, tende ao fim. Existimos graças a benevolência dos gênios, seus infiéis!
p.s.: Texto originalmente escrito para matar o tempo de um domingo qualquer. Publicado no respectivo blog que aparece no link do texto.

terça-feira, março 24, 2009

Decifrando o mal do mundo

Há tempos atrás, eu disse que escreveria sobre como acabar com a fome do mundo. Pois é, acho que é chegado o momento - em meio a essa enorme crise - de socializar meu pensamento a respeito.


Começo com o âmago do argumento: o mal do mundo é o desperdício. Sim, eu sei, parece meio óbvio, assim de cara. Mas me permitam explicar melhor.

Num passeio despretencioso por nossa cidade (seja qual for ela), podemos perceber exemplos absurdos de desperdício. Mas a coisa que mais me impressionou, na minha última reflexão propiciada por uma longa viagem num coletivo, foi o desperdício de gente. É, seres humanos sendo desperdiçados!

Quantas reportagens foram feitas, nos ultimos 10 anos, acusando falta de agentes de fiscalização do IBAMA, CREA, Polícia Federal, entre tantos outros, para impedir e coibir diversos crimes como os ambientais ou o contrabando? Eu contei, desde que comecei a assistir televisão, foram exatamente 4.568 reportagens (quem duvidar, conteste com provas). Pois bem, considero que um individuo médio, relativamente ambicioso e apto para o trabalho, pode realizar essa atividade de fiscalização, concordam? Mas a gente perde toda essa mão de obra com atividades inúteis.

Na Estação Iguatemi, frenético ponto de embarque e desembarque de passageiros (ainda mais frenéticos) da cidade de Salvador, há um exemplo emblemático disto que vos falo. Profissionais (concursados!), que tem como principal função sinalizar para os ônibus que eles devem ir para frente. Diabos, será que algum motorista de ônibus não sabe que ele deve ir para o ponto livre mais adiante da plataforma de embarque, parar, esperar embarque e desembarque, e seguir em frente, o mais rápido possível? Será que o gesto, com a mão erguida no sentido de fora para dentro do corpo, com a palma da mão estendida, indicando pressa, faz alguma diferença no trabalho dos motoristas? Eu acredito firmemente que não.
Existem outros exemplos... Quem já viu a manchete: "segurança de banco age com rapidez e impede assalto de grandes proporções" ? Aposto que nenhum de vocês. Segurança de banco é um desperdício de gente. Na verdade a única atividade produtiva deles é irritar pessoas que têm pressa, ao travar aquela maldita porta giratória. Qualquer assaltante que se preze rende facilmente os seguranças dos bancos.
Há um exemplo de desperdício ainda mais notório: quem já viu alguma utilidade em comentarista de futebol? O cara chega lá, assim o jogo de graça e pior, recebe um salário razoável para dizer o óbvio: o time que ataca mais tá melhor, o que ataca menos tá próximo de tomar um gol. É muita inutilidade.
Poderia citar milhares de outros exemplos... mas prefiro deixar que vocês mesmos pensem neles. A solução para todos os problemas do mundo está em identificar todos os focos de disperdício, arrebatar essa gente, recrutar para as funções e certas e lhes colocar nessas vagas, abolindo de uma vez todas as funções inúteis da face da terra, como a do locutor de supermercado. Teriamos um mundo mais justo, funcionalmente mais dinâmico, mais rico, mais eficiente, e mais feliz. E quem duvidar da grandeza do meu argumento que tente me convencer.