domingo, maio 05, 2013

Sim a Copa!

Outro dia, ao ganhar uma Caxirola ao chegar na arena Fonte Nova, me dei conta. A Copa do Mundo está chegando. Não há mais como dar errado; o maior evento do esporte mais popular do mundo vai acontecer aqui, na nossa porta. 
Nunca fui contra a idéia do Brasil sediar grandes eventos esportivos. Sempre penso no legado: em que outras circunstâncias o povo baiano ganharia um estádio com a beleza e conforto da nova arena? Que outra demanda aceleraria os entendimentos entre prefeitura e governo do estado para a conclusão das obras do metrô? Eu acho q o grande evento acaba sendo uma injeção de ânimo para arrumar as cidades. É como aquela motivação para deixar nossa casa super limpa e organizada quando recebemos visitas. Isso não pode ser ruim.
Vejo alguns argumentos que me deixam particularmente chateado, pela simples falta de informação de quem os reproduz. Um bom exemplo é dizer que a copa no Brasil não se justifica, pois poderiamos usar o dinheiro em saúde e educação. Falso, muito falso. O Brasil praticamente dobrou os percentuais do PIB investidos em educação e saúde nos últimos 10 anos (dados do IPEA), apesar de ainda estarmos abaixo dos níveis de investimento dos países desenvolvidos. Porém, nesses mesmos 10 anos, o país esteve envolvido nas construções e reformas bilionárias dos estádios para copa. Ou seja, nunca investimos tanto em educação e saúde, e não faltou grana para os estádios. Argumento esvaziado. 
E tem mais: a copa só vai acontecer porque o governo federal tomou a medida inteligente de deixar os estádios nas mãos da iniciativa privada. As obras de infra-estrutura que ficaram a cargo do Estado não avançaram, frente a burocracia e lentidão dos processos. Isso significa que boa parte dos recursos do Estado destinados a obras para a copa ainda não foram utilizados, e parte dessas obras só vão ficar prontas depois do evento. Mais uma prova de que o legado fica.
Muito mais grave me parece a imposição de comportamento. O futebol tem todo um significado cultural para o brasileiro. Eu vou sentir falta de ver o jogo de pé, gritando e pulando. Eu acho bom vaiar, xingar, levar cartaz pedindo pro presidente do clube sair, pro governador ter mais respeito, pro prefeito catar coquinho... Eu considero muito importante estimular a festa junina na capital. Essas imposições da FIFA, elas sim, pra mim são geradoras de reflexão: vale a pena? Vender nossas tradições a preço de um estádio novinho e alguns viadutos e passarelas? 
Talvez haja uma forma mais equilibrada de se fazer isso. A sociedade civil precisa se envolver mais, ditando o que aceitamos, e onde aceitaremos ceder. O evento da caxirola é bem emblemático: vamos aceitar que um grande artista da terra recrie um instrumento já criado, autorize sua reprodução em larga escala, e os distribua nos estádios (ao custo módico de 30 reais a unidade, aos cofres públicos), numa clara tentativa de encenar por aqui uma imitação do comportamento espontâneo dos sulafricanos? Opino pelo não. 
A grande verdade é que só saberemos o que a copa foi para o Brasil, quando esta passar. Entendo que é mais importante mantermos nossos valores, e aproveitarmos os benefícios que as circunstâncias nos trarão. Sim aos ganhos estruturais, não as distorções em nosso valores e nossa cultura. Assim será uma grande copa, e com Brasil campeão! :D

quarta-feira, março 20, 2013

"E agora o que sobrou?!" ou Como tentar ser cidadão

Engraçado. Passei quase dois anos sem escrever neste blog. No entanto, releio textos que continuam tão vivos, tão atuais...A vida pós-moderna muda muito rapidamente, mas nem tanto assim... Enfim, resolvi recomeçar. Talvez menos preocupado com o amor, e com aspectos filosóficos, psicológicos e sociológicos que permeiam a minha existência. Sinto que é  hora de olhar um pouco pro resto do mundo. Sinto que preciso falar de política, da cidade, e de coisas loucas que têm acontecido por ai. Vamos nessa.

Eu sou pessimista. Não controlo isso. Mas vejo que o Brasil, é bom que se diga, tem avançado em vários pontos no sentido de uma maturidade da democracia. Alguns velhos clichês "abre texto" de jornalista paulista ranzinza, como "brasileiro troca voto por bloco", "vota no deputado e depois nem lembra o nome", entre outros, têm se mostrado cada vez menos eficazes para explicar fenômenos e manifestações políticas, como os protestos contra Renan e Feliciano, e o "julgamento" e condenação automática, pela população, do último prefeito de Salvador, na campanha das eleições do ano passado. Contudo, há que se considerar também que precisamos avançar muito. Grande parte dos problemas de Salvador, por exemplo, são frutos da própria deseducação do nosso povo. A maioria dos soteropolitanos é deseducado mesmo. Não lhes falta informação, mas eles têm dificuldade em reconhecer que algumas são fundamentais como respeito as leis (de trânsito, fiscais, etc) e bom senso - lixo nas ruas, som alto até mais tarde, estacionar em vaga de idoso...
É necessário ir além. A falta de "cidadania", como nos é imposta pela grande mídia em peças publicitárias, sempre é entendida como algo inerente a pessoa, ao cidadão, sua consciência enquanto pertencente de uma sociedade humana organizada, onde ele acumula direitos e deveres. Acho arriscado aceitarmos essa ideia sem ressalvas. Como  habitante da cidade, o homem sai da condição de barbárie onde, no popular, "farinha pouca meu pirão primeiro", para se agregar com pares que juntaram forças para garantir objetivos comuns, como sobrevivência e conforto. Os esforços se coadunam em direção ao mesmo "núcleo", e isso demanda direitos e deveres de cada um dos envolvidos. Nesse contexto nasce o Estado, com a incumbência de garantir a todos seus direitos e exigir, também de todos, os seus deveres. A ideia é bonita, mas a prática nem tanto. Há distorções em todos os níveis quando observamos os Estados do "mundo real", quase todas perpassando questões de classe. O Estado é um instrumento de Poder, e quem o domina está em posição privilegiada em relação aos demais, apesar de ser igual perante as leis. Vemos essas distorções em todos os cantos, inclusive nas nações "desenvolvidas".
Porém, no Brasil, a coisa me parece ainda mais grave porque nós exigimos civilidade e cidadania de indivíduos que não tem seus direitos básicos garantidos. Eu fico bastante contrariado quando vejo psicólogas, pedagogos, e "educadores" em geral  - bem intencionados, diga-se de passagem - transferindo toda a responsabilidade da deseducação atual para as famílias, "esfaceladas, destruídas", etc. Calma ai... Como vamos exigir que um jovem não jogue lixo no chão se o esgoto passa na porta de sua casa? Como vamos pedir ao motorista inciante que respeite as leis de trânsito, se os policiais, guardiões da lei, simplesmente a ignoram em abordagens aos jovens da periferia? A discussão não pode ser tão simplificada. Precisamos ir mais fundo.
Ignorar o aspecto político da deseducação é uma forma de ocultar as relações de poder existentes no fenômeno. E ocultar o que está errado é contribuir para que continue errado. Lógico que existe um fenômeno atual de mudança de paradigmas que norteiam a juventude. É uma forma bonita de dizer que os jovens estão completamente loucos e até meio idiotas. Também vejo isso, e até concordo que parte da culpa é da família,  mas o contexto, o pano de fundo, as relações de poder que oprimem e excluem, pera lá, nunca poderão ficar de fora da conversa. Num mundo perfeito onde o Estado garantisse todos os direitos básicos a todos os cidadãos, a família seria a única vilã. Obviamente ainda estamos distantes demais desse mundo ideal, e precisamos nos aproximar mais dele.
Afinal, o que queremos mudar? Para que devemos mudar? Fica a reflexão.

sábado, setembro 10, 2011

Euclides, Luiz e o civismo

Poucas músicas me emocionam tanto quanto  “Pau de Arara” , do gênio Gonzagão. Em parte porque lembra a história de minha família; mas também por descrever o drama de milhões de brasileiros que rumaram para o sul e construíram esse país. No entanto, o sul-maravilha insiste em colocar a nossa região como origem de todos os males da terra brasilis. Eu penso diferente. Não apenas por ser nordestino, mas simplesmente por me dar o direito de pensar um pouco sobre o tema, sem me render aos conceitos prontos sobre a origem da sociedade brasileira que achamos por aí.

O nordestino é, em grande parte, sertanejo. E o sertanejo é, antes de tudo, um forte. Eu acho que Euclides da Cunha quis dizer muitas coisas com o termo forte, e essas vão além da força física. O nordestino é, em geral, um nobre. Não no sentido medieval, e sim no de defesa de valores. Ele os tem definidos e arraigados, aos quais a necessidade de sobrevivência não consegue sobrepor. É o “Paraíba” que puxa a peixeira se alguém xinga sua mãe ou lhe chama de corno, mas também é o cidadão que na falta de comida privilegia mulheres e crianças; que trabalha a mais para compensar o cansaço dos mais idosos; que não aceita esmola nem roubo... Um respeito ao próximo e as necessidades alheias que nos dias de hoje nos parece incomum.

Não quero vender aqui um moralismo barato. Longe disso. Mas os valores que cito caminham numa direção específica: a que define o conceito de “civismo”. Sim, porque poucos de vocês hão de discordar de que o grande mal desse nosso país é a completa ausência de noções de civismo em todos os níveis hierárquicos, econômicos e sociais. Senão vejamos. Falta-nos educação, no sentido formal. Faltam mais engenheiros, arquitetos, advogados, sociólogos e filósofos. Faltam mesmo. Mas os que nós temos de “melhor”, que ocupam os cargos de maior relevância, nos dão constantemente mostras de sua completa ignorância em relação ao civismo, considerando este não apenas como “amor a pátria”, mas no sentido mais amplo, de consciência coletiva, de bem comum para viver em sociedade. Talvez aleguem falta de renda, e é de fato considerável a fatia da população completamente a margem do progresso econômico dos últimos anos. Contudo, os absurdos salários pagos aos poderes Executivo e Judiciário não impedem o completo descaso com o dinheiro público, que deveria ser utilizado para o “bem comum”.

A ausência de civismo vai além desses exemplos mais emblemáticos e midiáticos. Ela perpassa o nosso dia-a-dia. É o cara que fura a fila do banco; que estaciona em vaga de idoso; que não cede o lugar da gestante e do idoso no ônibus; que gasta todo o seu salário em carros que se transformam em trio-elétricos e não respeita os horários em que o som em determinado volume é proibido. A questão aqui vai além de “bom” e “mau”. O conceito é objetivo: não há compreensão da necessidade da existência dessas regras. Não há percepção de que as leis de boa convivência são uma necessidade social. É um problema de socialização dos indivíduos, ou seja, é um problema de toda a sociedade e não apenas dos “maus”.

E ai é que voltamos ao nosso problema de início: se o grande mal é a falta de civismo, esse mal não veio do nordestino. Em algum momento, lá por baixo, a noção de civismo inerente ao nordestino se perdeu. O nosso povo é descaracterizado pelo ambiente hostil e acaba por deixar alguns desses valores de lado. Como somos fortemente influenciados pela mídia oriunda do sul, aconteceu que os grandes centros urbanos nordestinos reproduziram o problema da falta de civismo. Não sei quando, nem onde, nem como isso acontece (isso aqui não é artigo científico), mas é fácil defender esse ponto de vista. Quem discorda de mim, visite o sertão, converse com as pessoas. Ouça. E depois me conte. O sertanejo de Luiz Gonzaga e Euclides da Cunha ainda está lá, sobrevive, e tem muito mais a nos ensinar do que a aprender conosco.


segunda-feira, agosto 01, 2011

Dom de Iludir

Mesa de bar. Fui convidado a pensar sobre a malícia... Inicialmente, a malícia do povo brasileiro, aqui assumindo um tom pejorativo, que nos impede de seguir as regras e convenções e com isso ganhar maturidade institucional, ou seja, atingir a melhor forma real de democracia que a sociedade conseguiu desenvolver. Até aqui, discussão séria... Mas era mesa de bar. Logo fui tentado a corrigir o rumo da prosa pra um tema muito mais boêmio: a malícia feminina.

Lembro bem quando o tema me tomou a mente pela primeira vez, ouvindo Noel Rosa na voz de Caetano: “Pra quê mentir se ainda não tens a malícia de toda mulher? Pra quê mentir se eu sei que gostas de outro, que te diz que não te quer?!”. Ao qual o próprio Caetano respondeu, mais tarde, dizendo que “Você diz a verdade, a verdade é seu dom de iludir. Como pode querer que a mulher vá viver sem mentir?”. Desde então, criei o problema em minha mente e desde aquele dia nunca mais consegui esquecê-lo: do que se trata a tal “malícia de toda mulher”?

O “dom de iludir” é tema antigo. No paraíso, Eva usou de toda sua malícia para convencer Adão a provar do fruto proibido ( e é por causa dela que trabalhamos até hoje). Desde então, exemplos de mulheres que se sobrepõe, com delicadeza e jogo de cintura, aos desmandos de déspotas e maridos cruéis para atingir seus objetivos não são raros. A linha do tempo separa em uma distância considerável Eva de Cleópatra ou Evita, por exemplo. Entretanto, há uma condição presente em qualquer contexto de manifestação da malícia feminina: a de oprimida. As mulheres da bíblia, as de Noel Rosa e, porque não, de Caetano, viveram todas em uma condição de submissão ao homem: pai, marido, chefe, criador...

A malícia se configura, portanto, numa tática de sobrevivência: as mulheres desenvolveram uma forma alternativa de negociar suas vontades, que foge ao uso da força, e perpassa pela sensibilidade e poder de persuasão. Retratado nas artes por mãos masculinas, esse método de convencimento é transfigurado, descrito como “dom de iludir”. A malícia de toda mulher é conseqüência da opressão. Neste sentido, a expressão malícia perde o tom pejorativo e ganha conotação de requinte, inteligência e estilo. Subjuga o poder decisório historicamente repousado nas mãos dos homens, infiltrando-se sobre as normas como a água entre as ranhuras de uma pedra do rio. O toque, o olhar, a voz branda, os olhos marejados... E pronto, tudo lhe será dado. Há quem diga que o único crime perfeito é a traição de uma mulher magoada... Malícia, pura malícia.

E nos dias de hoje? Vivemos na época em que, sem dúvidas, as mulheres experimentam a maior liberdade cedida a elas em todos os tempos. É cada dia mais comum ver mulheres que falam firme, batem na mesa e ditam as normas, em todos os ambientes. De donas de casa que “edificam o seu lar” a chefes de grandes corporações, o comportamento feminino sofreu fortes mudanças. Há quem diga que a malícia feminina, aliada ao poder de decisão conferido a elas, fizeram destas os seres mais evoluídos do planeta. E quem há de negar? Resta a nós, pobres ultrapassados homens “inocentes”, observarmos atentos. Ou, fazermos arte, novamente. Eu sou refém. Sejamos!

terça-feira, julho 05, 2011

Lições de amor (parte I)

(...) Lembro bem como começou: falaram-me de um tal de Orkut, daí me mandaram o convite. Passando pelo interrogatório para preenchimento do perfil, me deparei com uma pergunta engraçada: “Com relacionamentos anteriores eu aprendi...?”. Eu não sabia responder. Decerto aprendi algo, mas a coisa nunca esteve organizada em minha mente... E continuou sem estar pelos cinco anos seguintes. Hoje, resolvi que seria importante, pra mim, sistematizar todo conhecimento adquirido em minhas experiências amorosas.  Sempre há que se aprender algo. E o único argumento que nos salva de querer morrer só por lembrar-se de ter namorado algumas pessoas é que de fato aprendemos algo que não devemos repetir jamais. 
Eu já tive algumas relações, apesar da pouca idade. Posso dizer que, ao namorar alguém muito jovem, quando ainda se é também muito jovem, você deve saber que aquele não será seu único amor. Se você ainda não se sustenta, e para pensar em trabalhar ainda vai precisar descobrir qual será a sua profissão, não alimente o sonho de casar e ter filhos com essa pessoa. Isso não vai acontecer. E se acontecer, não vai durar. Vocês terão de passar oito ou nove anos ralando para chegar à condição de poder dividir a vida. Além da distância em anos, sempre haverá dentro de si a cobrança por não ter se permitido conhecer o mundo ao seu redor, viajar, ir aos congressos da faculdade, ficar bêbado e dormir na praia do Porto da Barra, beijar mais de uma pessoa durante o carnaval, entre tantas outras peripécias que, apenas quando reunimos as condições de jovem e solteiro, podem ser realizadas.  Porém, não divida essas conclusões com a pessoa amada. Viva o amor até o momento em que ele se torne impossível. Se essas aflições virarem assunto durante o namoro, a única razão para namorar terá se perdido: aproveitar o momento.

Viajando, indo a festas, congressos, casamentos, batizados, velórios e lavagens, você conhecerá muita gente. Conhecendo muita gente, provavelmente você encontrará alguém que pareça perfeito. Mas não se engane, ninguém é completamente perfeito. Na condição de namorar a distância, aprendi que apenas amar não é suficiente. Se você não acredita, não confia, não sente sinceridade no outro lado, toda a relação estará distorcida. A pessoa pode ser uma espécie de mágico (ou ilusionista), que muda as cores da cidade quando está contigo. Porém, se quando ela volta pra casa você sofre muito mais do que deveria, algo estará errado e os meios que você encontrará para suprir esse sofrimento certamente serão insuficientes, além de, em certa medida, desonestos. O que eu aprendi, de verdade, é que não se deve namorar a distância, a não ser que seja o grande amor de sua vida. Mas para saber se alguém é o grande amor de sua vida, é preciso conviver. Só namore a distância se você conviveu e conhece todos os corvos que pousam nos galhos e todas as larvas que comem os frutos da grande copa da arvore mais bonita da floresta, que você pensa ser sua.
Se você se tornar uma pessoa interessante, não faltará quem enxergue em você a arvore mais bonita da floresta. Ao conviver com alguém mais velho, aprendi que a linha do tempo oferece uma gama de objetivos e aspirações diferentes em cada trecho, e que uma relação com essa característica exigirá muito mais concessões e acordos. Abrir mão faz parte de qualquer relação, mas se você tem de abrir mão de algo que não tem o mesmo valor para o outro, o ato de ceder não é devidamente valorizado, o que torna o exercício extremamente complexo. Contudo, você sempre terá algo a ganhar ouvindo essa pessoa. Aliás, ouvir é sempre muito melhor que falar, em qualquer relação. Isso eu aprendi muito recentemente...
Falei mais acima sobre o grande amor de sua vida... Nisso eu não acredito, e entendo que esse foi o maior  aprendizado que tive ate aqui. As pessoas demoram a seguir em frente, quando terminam relações, porque mitificam o ex. É muito comum ouvir que nunca mais será feliz com outro, que ninguém saberá cuidar, amar e respeitar como o ex. Isso não é verdade, de maneira alguma. Existem pessoas com que nos identificamos mais, o que torna tudo mais fácil. Mas relacionar-se, viver junto, dividir a vida é, antes de tudo, um grande esforço. É preciso uma entrega descomunal e uma grande força de vontade para fazer qualquer relação chegar a um status de estabilidade que nos permite concluir que ela vale à pena. Esse é o fator que nos faz tornar o ex um mito, pois quando se sai de uma relação onde já se tinha o conforto da mesmice, é preciso ter o trabalho inteiro novamente. É muito mais fácil concluir que o ex era perfeito e tentar resgatar com ele uma relação que, em muitas vezes, não tem mais nada a nos oferecer. Somos naturalmente avessos a mudanças, e tornar o ex um mito insuperável só torna a mudança – muitas vezes inevitável – ainda mais difícil. Ninguém controla seu potencial de ser feliz além de você mesmo. Ninguém é perfeito para você se você não estiver disposto a ser perfeito para alguém.  Além disso, o amor de sua vida provavelmente não será aquele que cai ao seu colo: se você quer ser feliz com alguém, vai ter de batalhar por isso.
Vamos arregaçar as mangas e cair pra dentro. Mais importante que cair e se levantar, é levantar, limpar as feridas e seguir em frente sem perder o tom, a graça, e a ternura. Jamais.

Obs.: mais uma da série “emails que enviei a alguém”. Um dia vou publicar todos os meus emails enviados...

quinta-feira, maio 26, 2011

Sobre diversidades

Agora não dá mais pra disfarçar. É impossível tentar esconder; e nem é mais tão necessário. Não é preciso entrar para o Seminário para inibir as vontades, muito menos arrumar um casamento de fachada. Ser gay nunca foi tão fácil no Brasil. É normal. É legal (nos dois sentidos). A fatia GLBT da sociedade brasileira é uma realidade. Não dá mais pra chamar de doença.
Em meio a noticias diárias que sentenciam a tendência descrita nas afirmações do parágrafo anterior, tenho sido questionado por amigos: “o que você acha disso?”. Eu tenho mesmo de achar alguma coisa. E tenho que escrever sobre isso. É o que eu faço, quase sempre por não ter outros meios de manifestação pública. Externar nossa opinião é uma forma muito eficiente de fazer política, essencialmente nessa sociedade “virtualizada”. Então, vamos lá.
Pra começar, tenho que dizer que sou hetero. Bastante hetero. Como diz uma amiga, sou “hetero com veemência”.  Não digo isso por medo de ser chamado de viadinho, mas pela necessidade de fazê-los entender, caros leitores, que a minha opinião sempre estará balizada por esta condição.  Ainda que eu acredite no exercício da relativização, e por mais progressistas que sejam meus posicionamentos, ser um não-gay me impede de opinar como um gay sobre suas perspectivas, visão de mundo, de direitos e deveres, suas bandeiras políticas... Essa é a graça da coisa: tentar enxergar e compreender algo que, se você não fizer força pra sair do seu mundinho de convenções sociais e tabus, não poderá entender nunca.
Eu tenho uma mania triste de não concordar com nenhuma das partes em discussões desse tipo. Aqui está mais um caso em que nada do que tenho ouvido me agrada completamente. Vamos começar falando dos conservadores. É incrível como a noção de democracia do povo brasileiro é deturpada, pobre, vazia, limitada apenas ao direito de voto. As pessoas não percebem a democracia como um Estado de “iguais”, um “ethos” que define a forma de gerir o Estado, de distribuir direitos e reparar danos históricos causados a determinados grupos. O regime democrático deve ter como ideal nos garantir direitos e preservar nossa liberdade, ainda que essas duas coisas não possam ser atingidas plenamente (ou, pelo menos, não por todos). A falta dessa percepção nas mentes das massas é flagrante e pôde ser contemplada em diversas discussões recentes, como a das cotas, dos sem-terra e, atualmente, do grupo GLBT (a parte boa é que hoje em dia essas discussões acontecem!).
A confusão entre o dever do Estado e as determinações de cada doutrina é comum. O que deveria perpassar as mentes evangélicas, numa democracia ideal, é que mesmo que a doutrina evangélica condene, a homoafetividade existe, envolve pessoas, relações sociais e, a parte que interessa ao Estado, cidadãos. Cabe ao Estado garantir condições de existência harmoniosa para todos os grupos, entre os quais homossexuais e evangélicos. Cabe aos conservadores a satisfação de ter onde manifestar sua opinião, e isso lhes é garantido desde sempre.
Aí é onde está a minha crítica ao grupo dos homoafetivos. Garantir seus direitos não pode significar aniquilar direitos alheios. Conquistar o direito de união civil não pode representar calar todas as vozes que são contra, principalmente se essa opinião contrária for sustentada em um alicerce religioso. A revolta descontrolada causada pelas vozes que se levantaram contra a união homoafetiva se configura como mais um exemplo de noção deturpada de democracia. Os progressistas se ofendem, mas carregam em seus discursos o mesmo tipo de lógica que considera o meu direito mais importante que o do outro. O direito a existência e livre manifestação dos grupos religiosos deve ser conservado com tanta convicção como o direito de pessoas do mesmo sexo unirem legalmente. O discurso religioso não é algo ultrapassado que deve ser extinto, é apenas um discurso diferente. Incrível, pois aceitar a diferença deveria ser muito simples para os progressistas, mas a realidade mostra que não é bem assim...
A equação é simples: que os grupos existam, se manifestem e se defendam, e que os direitos e radicalismos sejam gerenciados pelo Estado. Quem sabe, um dia, falar dessa necessidade seja desnecessário, e o que nos parece tipo ideal de democracia seja vivenciado na prática. Sonhar não custa nada.

quinta-feira, janeiro 06, 2011

O Twitter, o cinema falado e o futuro

Não Tem Tradução
Noel Rosa
Composição: Noel Rosa

O cinema falado é o grande culpado da transformação
Dessa gente que sente que um barracão prende mais que o xadrez
Lá no morro, seu eu fizer uma falseta
A Risoleta desiste logo do francês e do Inglês
A gíria que o nosso morro criou
Bem cedo a cidade aceitou e usou
Mais tarde o malandro deixou de sambar, dando pinote
Na gafieira dançar o Fox-Trote
Essa gente hoje em dia que tem a mania da exibição
Não entende que o samba não tem tradução no idioma francês
Tudo aquilo que o malandro pronuncia
Com voz macia é brasileiro, já passou de português
Amor lá no morro é amor pra chuchu
As rimas do samba não são I love you
E esse negócio de alô, alô boy e alô Johnny
Só pode ser conversa de telefone...


Esse é um samba do aclamado Noel Rosa, datado de 1933. Para além da genialidade musical do autor e de toda a discussão a respeito da influência negativa da contaminação de nossa cultura pelos padrões ianques, o que me chama atenção nessa canção é a preocupação do nosso querido Noel com o peso da “modernidade”, ou em como poderiam contribuir as novidades tecnológicas para a destruição do samba do morro, nascido e eternizado nos botecos, em pandeiros e violas guiados por boêmios que dividiam o trabalho das mãos entre tocar e levantar os copos de birita. Hoje, passado tanto tempo, é engraçado perceber que o “cinema falado” não acabou com o samba, nem ajudou a o traduzir para o inglês ou o francês. Aliás, se o fez e quando fez, serviu de divulgação para o resto do mundo, fazendo do samba um estilo admirado em todos os continentes. Soa estranho, inclusive, falar em “cinema falado”, pois nos é surreal a idéia de um cinema sem áudio. O telefone, por sinal, deve ter contribuído em muito para a evolução, disseminação e, por conseqüência, perpetuação do samba como elemento cultural fundamental de nossa sociedade.

É preciso ter muito cuidado nessas previsões. A humanidade é marcada por exemplos de premonições bombásticas e apocalípticas que no fim se desmancharam no ar, no passar dos anos.O âmago desse comportamento está na incrível aversão ao novo, fruto da condição humana e do conforto a nós trazido pela ordem social. Mudar incomoda. Incomodou ao Noel, boêmio, artista, liberto... Imaginem o quanto incomoda também aos críticos saudosistas, que cultuam o vinil e a máquina de escrever...

Noel temia que a tecnologia fizesse o samba se perder. E ele tinha razão. As previsões provavelmente eram pertinentes em seu tempo, apesar de o futuro ter revelado-as totalmente inócuas. Isso me fez lembrar nossos dias atuais. A comparação é fácil: todos nós já ouvimos em rodas de amigos ou em discussões na TV como o Orkut têm destruído as relações sociais, ou como o Twitter encerra qualquer chance de se ter um jornalismo de qualidade. Enquanto vivemos a explosão da grande rede e de seus cada vez mais variados tentáculos, uma conclusão de em que medida essa avaliação negativa é pertinente ou previsões de para onde ela nos levará são totalmente inúteis, assim como hoje nos parece cômica a apreensão de Noel com o telefone e o cinema falado. O que a sociedade fará com o Orkut, o Facebook e o Twitter são questões que ainda serão respondidas nos próximos anos, e a opiniões emitidas agora não passam de especulações.

Da mesma forma que o telefone foi um elemento de comunicação que revolucionou o mundo e nos fez romper barreiras, e o áudio no cinema nos proporcionou um entretenimento até hoje muito bem aceito, as ferramentas da grande rede tem um potencial enorme. O Twitter é a forma mais bem sucedida já vista na divulgação rápida de uma informação: a razão de ser do jornalismo. O Orkut nunca me impediu de ter vida social – pelo contrário, já me ajudou a dizer muita coisa que não conseguiria face a face, e até a concluir alguns flertes... Se focarmos no potencial da ferramenta, podemos visualizar que as conseqüências de seu uso são, na verdade, conseqüências de sua manipulação e, mais uma vez, a responsabilidade é de toda a sociedade. Assim como o samba não se perdeu, não se traduziu nem virou apenas conversa de telefone, cabe a nós fazer com que a grande rede sirva de ferramenta para chegarmos a uma sociedade mais justa, mais democrática e mais humanizada.

Isso já vem acontecendo. O exemplo da última eleição é notório: nunca os lados da disputa democrática ficaram tão evidentemente separados e delimitados. Além disso, ao contrário do que vi alguém famoso dizer, as redes sociais não são a causa da geração “racista, preconceituosa e atrasada” que vemos no mundo virtual. Ela é, na verdade, o instrumento que revela a existência desses grupos. Escondidos atrás das telas de LCD, o facista mais radical e o socialista mais inflamado têm o mesmo espaço. A existência desses grupos, ainda que choque, precisa ser de conhecimento geral, e antes da grande rede isso era de fato impossível. Tem como ser mais democrático?

Enfim, meus caros, pode não parecer, mas esse texto é uma mensagem de ano novo (pelo menos era o que o autor pretendia no começo...). Não temam o novo. Não prevejam desgraças. Encarem, vivam e se transformem em algo melhor. Não parem no meio do caminho. Ah, e se puderem, ouçam Noel. Feliz ano novo!