sábado, dezembro 23, 2006

Férias, Pirro e Cinéias

Plutarco conta que um dia Pirro estava fazendo projetos de conquista. "Vamos primeiro submeter a Grécia", dizia ele. "E depois?", disse Cinéias. "alcançaremos a África." - "Depois da África?" - "passaremos à Ásias, conquistaremos a Ásia Menor, a Árábia." - "E depois?" - "Iremos até as Índias." - "Depois das Índias?" - "Ah!" disse Pirro, "eu descansarei." - "porque", disse Cinéias, "não descansar imediatamente?"
Cinéias parece sensato. Para que partir se é para voltar para casa? Para que começar se se deve parar? E no entanto, se não decido primeiramente parar, parece-me mais vão partir. "Não direi A", diz a criança com teimosia. "Mas por quê?" - "porque, depois disso, seria preciso dizer B."Ela sabe que se começar, jamasi terminará: depois do B, será o alfabeto inteiro, as sílabas, as palavras, os livros, os exames e a carreira; a cada minuto uma nova tarefa que a lançará à frente rumo a uma tarefa nova, sem descanso. Se isso não acaba nunca, para que começar? Até mesmo o arquiteto da torre de Babel pensava que o céu era um teto e que um dia o tocariam. Se Pirro podia estender os limites de suas conquistas para além da terra, para além das estrelas e das mais longínquas nebulosas, até um infinito que escaparia incessantemente diante dele, seu empreendimento seria ainda mais insensato, seu esforço se dispersaria sem jamais se concentrar em nenhuma meta. Aos olhos da reflexão, portanto, todo projeto humano parece absurdo, pois ele só existe se atribui limites a si mesmo, e sempre podemos transpor esses limites, perguntando-nos com irrisão: "Por que até aqui? Por que não ir mais longe? Para quê?


Simone de Beauvoir, Pirro e Cinéias


Ah, férias. É nesse momento do ano que paro para refletir e analisar do que me serviu todo o grande esforço feito durante os 365 dias passados. Simone de Beauvoir me trouxe algum conforto com essas palavras. Corremos, e corremos... e Para quê? Sempre há o que se alcançar. Estamos sempre definindo novas e novas metas, sem parar em canto nenhum... Mas haveria felicidade em parar? Também sabemos que não. Estamos condenados, enquanto seres humanos, a essa busca incessante pelo novo, por mais um degrau, sendo que o que realmente está em jogo nessa vida é o processo pelo qual chegamos a todos esses objetivos. Se não for divertido, se não for agradável, se não fizermos amigos, então nem a conquista da Ásia Menor nos será proveitosa.
Mas, na verdade, transcrevi o trecho por que estou no clima de Cinéias. Tenho uma semana de vagabundagem e, nela, pretendo pensar e agir como esse cidadão. É a única semana do ano em que posso fazer tudo exatamente como bem me parecer, e o farei sem exageros. Para começar, descansarei primeiro, antes de definir minhas novas metas...
Feliz Natal para todos vocês. Não vou desejar paz nem saúde, e sim um alto poder de consumo. Sim, pois apenas quem consome é gente, nessa terra que nos faz suar desde as nove da manhã. Quem teve a chance de ir no Iguatemi, por esses dias, sabe do que estou falando...
Até o ano que vem, com novas metas e rumos. Não esqueçam, façam o caminho valer a pena...

domingo, dezembro 10, 2006

Porque eu só escrevo aos domingos

Depois de um fim de semana de farra, sempre vem um domingo de maresia... Talvez, depois de um tempo,o ditado pegue tanto quanto água mole e pedra dura tanto bate até que fura. O fato é que meus domingos têm sido de profunda reflexão. O tema? Bem, o tema quase nunca é algo axiológico, filosófico, transcendental...É, na verdade, quase nunca a reflexão é importante. Hoje, por exemplo, passei alguns minutos tentando entender por que motivos os caras muito espertos da Globo deixam Fausto Silva criar quadros bizarros como o "chamando o passado" ou coisa que o valha. O quadro, para quem não teve a oportunidade única de conferir a estréia, trata-se de uma oportunidade gentilmente cedida à uma pessoa afetada emocionalmente, para que essa possa, em rede nacional, superar seu trauma voltando atrás numa decisão estúpida. É a superação midiática - espetacular da psicanálise. Sim, é Fausto Silva marcando seu nome na história.
Bom, a estréia não poderia ser mais caquética: uma ex-aluna que, há 27 anos atrás, rejeitou um cumprimento do professor. Este queria lhe cumprimentar por uma nota A. Fausto se esforçou - de forma admirável - para convencer o público de que esse acontecimento marcou a vida da pobre mulher, de modo que ela não conseguiria sobreviver se não o superasse. Ele quase conseguiu me convencer... Foram então procurar o coitado do professor. Imaginem vocês, um professor de "estudos sociais"... Fiquei pensando como seria uma aula de estudos sociais, no ginásio, há 27 anos atrás. Com certeza essa nota A não deveria ser um motivo de orgulho para moça...
"À historia, por favor!", pensa raivoso o leitor.. Pois sim, seja feita a sua vontade! Voltarei a ela.. A mulher do professor morre de medo da violência da cidade. Por isso, só faltou jogar água fervendo na pobre da repórter. Essa foi a primeira parte engraçada.
A segunda, vejam vocês, foi o professor. Depois de contactado, informado do quadro, ter aceitado participar daquele joguinho ridículo de fingir que não pôde comparecer e aparecer depois quando a moça fazia um esforço deprimente para pedir desculpa perante as câmeras, o bom velhinho adimitiu que, na verdade, tinha "uma lembrança beeeem vaga da história".
O discurso "pela educação" que Fausto fez, logo em seguida, não conseguiu ofuscar a inutilidade intríseca do seu novo quadro. Sim, a televisão é quase sempre inútil. Contudo, ela não se torna, caro leitor, mais insuportavelmente inútil quando seus quadros não tem absolutamente nenhuma utilidade até mesmo para os protagonistas? O velhinho, simpático, não tinha nenhum motivo para estar ali. A moça, a não ser que tenha realmente ficado traumatizada pelo epsódio, também não. E eu, entorpecido pela maresia de domingo, tinha muito menos razões para ficar assistindo àquela palhaçada.
Os defensores da televisão "popular" contra-argumentam dizendo que não adianta colocar na telinha uma programação que não expresse a vida do nosso povo, que não tem, de fato, acesso à cultura. Ele não tem, todo mundo sabe, mas ninguém tem a brilhante idéia de começar a mudar o quadro. Quem veio primeiro, o povo sem cultura ou a televisão idiota( mais uma sugestão de ditado que pode pegar. Lembra aquele do ovo e da galinha...)?
Outra questão é: se a esse televisão é cara do nosso povo, quer dizer que somos todos fofoqueiros sádicos consumistas afetados psicologicamente? Quando formulei a questão, tinha a intenção de responde-la negativamente. Dei um salto da cadeira quando percebi que esse é, na verdade, um quadro perfeito dos cidadãos brasileiros do século XXI. Puta que pariu.. esse mundo não tem mais jeito mesmo!

quinta-feira, novembro 23, 2006

Quando alguém consegue dizer melhor que você mesmo o que você sente.. entendeu?

" Guiou uma das mãos ao bolso
num desvelado esforço
de parecer invicto

Carregou-a assim, temerosa por poucos mas defíceis passos
de corredor
(dividia aleatoriamente
O pouco que lhe restava entre o descomunal esforço
De projetar-se adiante e o pulsar de idéias
cadavéricas que brotavam senhora em sua cabeça)

Sorriu assim amarelo
O seu sorriso mais potente
Fez-se sólido, simpático

Ergueu a mesma mão
(com dificuldade de livra-la)
Conseguiu olhar nos olhos
lentamente entregou as mais cordiais saudações de que se
lembrava

ouviu sem igual esforço as retribuições
deu as costas e sucumbiu novamente
ao colo mais próximo."


Marcelo Camelo


É isso gente! Isso é manipulação da impressão. Em poesia tudo fica mais belo, mais romântico e mais triste. Não conseguir ser um poeta é uma merda...

domingo, novembro 19, 2006

Divagações a respeito da manipulação da impressão do outro...

Não será bem um texto. Na verdade, é um pouco de desabafo... A questão é: como manipular eficientemente a impressão que as pessoas têm de você? Segundo os teóricos do interacionismo simbólico, estamos sempre procurando essa manipulação. Ela é, grosso modo, a razão de ser de muitos aspectos que envolvem as interações. Cabe aqui uma breve consideração a respeito dos papéis. O interacionismo está pautado, basicamente, na análise das interações como se elas fossem uma grande encenação: estamos todos cumprindo diferentes papéis, em cada diálogo. Manipular a impressão é, também, convencer o outro de que você encarnou, de fato, aquele papel, e que o cumpre com total legitimidade. É por isso que os médicos exibem seus diplomas nas paredes dos consultórios; é por isso que garotos "radicais" arriscam tolamente suas vidas para mostrar toda sua "radicalidade" a quem lhes interessar.
Assunto recorrente desse e de outros tantos blogs, o vai e vem dos universos semânticos é um fenômeno do mundo moderno, que se acentua no mundo pós-moderno. As pessoas entram e saem de sua vida, de uma forma tão brutal que você não consegue mais manter o mínimo de afetividade da relação, depois que ela foi superada. Tudo está mais rápido. Tudo muda mais rápido. Inclusive as pessoas. Me peguei, nesse fim de semana que melancolicamente se encerra daqui a 20 minutos, numa situação que envolvia as duas problemáticas: tinha que encaixar meu universo semântico num que há muito me era distante, o que sem dúvida envolvia uma incrível manipulação da impressão alheia.
De fato, esse tipo de manipulação nunca me preocupou, ao menos conscientemente. Mas desta vez, estranhamente, senti uma necessidade de empreendé-la. Não há motivo racional que explique isso... Obviamente que falhei, redondamente. Falhei de um modo tão absurdo, que tive a sensação de não ter tido nem a chance de tentar... Parece que algo em mim determinou, a priori, se eu estava ou não legitimado a interpretar o papel ao qual eu quis me ligar.
Até que ponto se pode manipular, consciente ou inconscientemente, a impressão alheia? Qual limite entre a influência do que o ator apresenta em relação aos aspectos em que ele pode interferir, e as interpretações do interlocutor, seus conceitos e crenças, seu modo de ver o mundo, enfim, seu Eu? Questão intrigante... Claro que os aspectos visíveis, ou seja, aquilo que você apresenta antes da troca de palavras, são passíveis de interferência. Contudo, eles até explicariam um certo pé atrás do meu interlocutor, mas nunca uma opinião definitiva.. Sim, senti que uma opinião defitinitiva formou-se antes mesmo d'eu abrir a boca.
Responder essa questão me traria o conforto da impotência perante às condições psciológicas do outro, penso. Contudo, poderia também me trazer a revolta por não ter feito o que deveria para manipular a impressão ao meu modo. Como respondê-la é impossivel, fico eu com o conforto. E no fim, concluo, friamente: " eu não queria mesmo...". Assim tudo fica mais fácil...E o sol virá amanhã. E daqui há dois dias, eu nem me lembrarei mais disso. Nem da pessoa, nem da impressão, nem do embaraço. Esquecer os embaraços o mais rapidamente possível é uma boa forma de manter o bom humor e o pensamento positivo. Viva ao pensamento positivo!

terça-feira, novembro 14, 2006

"Onde está nosso Capital Social?" Ou "Porque tenho que aturar o Salvador Card"

O título já traz o tom de minha revolta. Outro dia, no meio de uma fila quilométrica, com objetivo simplório de garantir nosso direito de ir e vir, eu e um amigo rato filosofávamos a respeito da canilhice e da acomodação do povo baiano frente a esse chute no saco chamado Salvador Card.O engraçado é que todos na fila reclamavam... Poucos ali - provavelmente nenhum - teria dado a cara à tapa de polícia como eu fizera. Reclamar é infinitamente mais fácil. Enfim...
Revoltas-potencializadas-por-minhas-variações-hormonais à parte, é sobre essa acomodação que eu quero falar-lhes. É interessante como certas leituras podem fazer você mudar completamente de opinião sobre certos assuntos. De repente, tudo passa a fazer sentido - mesmo que seja um sentido deprimente. Quando tomei posse do livro "Capital Social", da Maria Celina D'Araújo, juro que não imaginava encontrar nele algum alento para meu sofrimento naquela fila. Mas até que essa relação é menos absurda que outras já promovidas por aqui. Essa, pelo menos, não causará rodopios no túmulo do citado ( ela provavelmente ainda está viva, espero).
O Capital Social é a "argamassa" que une os tijolos de uma sociedade. É, grosso modo, a capacidade de manter um bom nível de confiança nas relações interpessoais, de um lado, e dessas pessoas com as instituições, de outro. Ou seja, o Capital Social, sob a segunda ótica, está diretamente ligado ao nível de civismo, ou cultura cívica da sociedade. Cabe aqui a crítica ao institucionalismo: apenas "boas" instituições não controem uma sociedade mais democrática. Sem Capital Social, as instituições viram bichos enormes, papões, dos quais não se chega perto. Siglas indecifráveis; normas incompreensíveis... Passei alguns anos de minha vida tentando entender o que significava INSS, BNDES ou UNESCO. Não se preocupem, já desisti da brincadeira...
Portanto, falta-nos justamente o Capital Social. Quando não existe a consciência cívica, as instituições podem ser o que quiserem. Aliás, não apenas ser, mas fazer, também. Ai está o Salvador Card. Parar o trânsito incomoda; quebrar ônibus dá um certo prejuízo; diálogo entre sociedade civil organizada e instituições é a única chance de resolver, ou pelo menos amenizar as consequências que me parecem tão nefastas.
Devo confessar, impulsionado pelo ódio discreto que alimento de mim mesmo, que o que me traz conforto em perceber a verdadeira causa da nossa inércia é, de fato, concluir que eu sozinho não posso fazer muita coisa pra mudar o quadro. A não ser, é claro, escrever e lamentar nas mesas dos bares. Mas que assim seja: se não podemos mudar miséria, que ela nos sirva, ao menos, para fazer arte...

segunda-feira, novembro 06, 2006

Que façamos arte, pelo menos

Sinal Fechado
Chico Buarque
Composição: Paulinho da Viola

– Olá! Como vai?
– Eu vou indo. E você, tudo bem?
– Tudo bem! Eu vou indo, correndo pegar meu lugar no futuro... E
você?
– Tudo bem! Eu vou indo, em busca de um sono tranqüilo...
Quem sabe?
– Quanto tempo!
– Pois é, quanto tempo!
– Me perdoe a pressa - é a alma dos nossos negócios!
– Qual, não tem de quê! Eu também só ando a cem!
– Quando é que você telefona? Precisamos nos ver por aí!
– Pra semana, prometo, talvez nos vejamos...Quem sabe?
– Quanto tempo!
– Pois é...quanto tempo!
– Tanta coisa que eu tinha a dizer, mas eu sumi na poeira das
ruas...
– Eu também tenho algo a dizer, mas me foge à lembrança!
– Por favor, telefone - Eu preciso beber alguma coisa,
rapidamente...
– Pra semana...
– O sinal...
– Eu procuro você...
– Vai abrir, vai abrir...
– Eu prometo, não esqueço, não esqueço...
– Por favor, não esqueça, não esqueça...
– Adeus!
– Adeus!
– Adeus!


Engraçada essa nossa sociedade. O mundo virtual destruiu a necessidade da exposição pública como passo inevitável da conquista amorosa. Meu pai, quando queria paquerar, provavelmente tinha como única alternativa ir à praça no domingo espiar as moças bonitas, quem sabe até falar com elas, conversar banalidades... Um processo árduo, sem dúvida. Contudo, hoje ninguém precisa mais fazer isso. A internet resolve tudo para nós. Para os mais discretos, existem sites com milhões e milhões de perfis de mulheres e homens ideais para alguém. Basta escolher e clicar, como se estivessem disponíveis numa prateleira de supermercado. Para os mais pobres e menos inibidos, basta entrar no maravilhoso mundo do orkut, onde milhões e milhões de perfis, todos tipos ideais orkutianos ( adotei a expressão de alguém...) estão lá, à distância de um clique, e "de graça". As distâncias estão indubitavelmente mais curtas.
Agora, o paradoxo: do que adianta toda essa facilidade tecnológica se as pessoas, a exemplo da música do Chico, não têm tempo para amar? Estamos todos correndo tanto que, até mesmo quem não está, se sente constragido em assumir... O amor se restringe a encontros de sábado a noite, cumprimentos ligeiros nos corredores, conversas no sinal fechado...O preço de se diminuir virtualmente as distâncias, é tornar as relações que provém dessa diminuição essencialmente virtuais, também.
Se é triste? Sim, é. Mas confesso que, para mim, enquanto nos lamentarmos em forma de arte, como fizeram Chico e Paulinho, ainda valerá a pena tentar...

sábado, outubro 21, 2006

Sobre a riqueza do pagode e os não-lugares

Ando as voltas com um certo conceito, o qual me foi apresentado por uns amigos ratos. O mais interessante das discussões pós-modernas, ao meu ver, é a possibilidade de enxergar os fenômenos descritos ali na esquina de sua rua, ou na frente de sua tv. Não que as outras teorias sociais não sejam empiricamente observáveis, muito menos que seja o empiricamente observável um critério de avaliação da qualidade de uma dada teoria, mas confesso que tenho me divertido bastante ultimamente tentando ver como categorias pós-modernas são extremamente mais plausíveis para nossa sociedade que as categorias modernas. Enfim, vou encerrar essa parte chata, que é compreensível apenas para aqueles amigos ratos...
O conceito ao qual me referi é o de não-lugar. Ele me incomodou tanto, que acabei usando de fundos indisponíveis(rs) para comprar o livro "Não-Lugares: Introdução a uma antropologia da supermodernidade", de Marc Augé. Bom, vamos à definição do próprio Augé:
"Se um lugar pode se definir como identitário, relacional e histórico,um espaço que não pode se definir nem como identitário, nem como relacional, nem como histórico definirá um não-lugar." Ou, de forma poética:
"Hoje, não é nos locais superpopulosos, onde se cruzam, ignorando-se, milhares de itinerários individuais, que subsiste algo do encanto vago dos terrenos baldios e dos canteiros de obras, das estações e das salas de espera, onde passos se perdem, de todos os lugares de acaso e de encontro, onde se pode sentir de maneira fugidia a possibilidade mantida de aventura, o sentido de que só tem que "deixar acontecer"?"

O não-lugar é aquele onde o individuo supermoderno não precisa entender, conhecer ou relacionar. É o lugar efêmero, onde todos passam ao mesmo tempo,juntos e sozinhos, numa grande maré de individuos solitários. Você não precisa Ser no não lugar. Lá, você será apenas mais um na multidão, um que passa, que consome ou não, e que vai embora, sem interessar a ninguém de onde veio, e para onde vai. Nesse sentido, o não-lugar é, sobretudo, um enorme desafio à análise antropológica. Mas isso é assunto para um novo post. Eu queria dizer que, ontem, estava eu num desses não-lugares: a estação pirajá. Esse é o mais gritante não-lugar por onde tenho passado ultimamente. Lá eu chego, entro na fila, e pego meu ônibus. Poucas vezes olhei para o lado, por lá. Apenas lá me sinto tão só num lugar tão cheio de gente. Mas ontem, algo pertubou a ordem: um grupo de pagodeiros dançavam, cantavam e riam descontraidamente, na fila ao lado.
O curioso é que, num momento em que o não-lugar deixa de o ser para um grupo específico, ele deixa simultaneamente de o ser para todo o resto. Brotaram ali sentimentos de afinidade e repulsa: senhoras evangélicas reuniram na fila, para comentarem umas com as outras que o mundo está realmente acabando; mulheres jovens da fila, cochicaram umas com as outras, analisando os bumbuns dos caras; Outros, como eu, apenas riram da situação. O que se viu foi a criação de um novo ambiente, onde um grupo sentia-se perfeitamente situado num espaço onde poderia colocar para fora suas formas de expressão cultural, e nesse dado instante todo o não-lugar se transformou em algo novo, e portanto, num lugar. Ainda que seja sob a ótica das senhoras evangélicas, aquele lugar ganhou o sentido de não ser o apropriado para aquela manifestação. A partir do momento em que se atribui um sentido ao não-lugar, que não o de servir de passagem de átomos isolados e, mais ainda, quando esse sentido é compartilhado por outros, o não-lugar é significado, e transforma-se num lugar.
De certo, grande parte dessa transformação repentina pode ser atribuida ao fato de estarmos numa sociedade não totalmente pós-moderna, onde resquícios da pessoalidade provinciana permanecerá por um bom tempo. Contudo, creio firmemente que os não-lugares nunca o são completamente...A possibilidade de transformá-los em lugar está ao alcance, ainda que, como nesse caso, a coerção seja nada tácita. Quão menos fria, e menos triste, seria uma sociedade com cada vez menos não-lugares? me pus a pensar... Apesar de questionar profudamente a qualidade das rimas dos caras, e de entender muito pouco do que elas queriam dizer além das piadas sobre sexo, nunca me diverti tanto naquela estação, como ontem...

sexta-feira, outubro 06, 2006

Inocência juvenil...

"Morena, dos olhos puxados
Riqueza de olhar...
Negra cor dos cabelos, um brilho sem par
As pernas cruzadas, linda, a pensar
Em quê? não se sabe,não importa falar
O que é dito é sentido
contramão ao verbalizar
Um sorriso perfeito, surge de lá
O contraste é sublime
O branco dos dentes, o açai dos lábios
Um convite ao beijar
Beijá-la não posso. Eu aqui, ela lá
Contemplá-la, o que resta
faze-lo-ei até cansar..."


Escrito por mim mesmo, há algum tempo. É incrível como somos extremamente bobocas na adolescência. E é uma prova ainda maior de imbecilidade termos saudades daquelas sensações. A morena nunca me deu bola. O sorriso nunca fora pra mim. E eu passava horas fantasiando...Gastando folhas de caderno com poemas infantis e perdendo aulas que provavelmente teriam uma importância muito maior que suspirar pelo monumento de cabelos negros. Mas era ali, sentindo que tinha um mundo a desvendar, que me sentia verdadeiramente vivo. Construi uma justificativa para explicar minha atual e repugnante vontade de sentir isso novamente. Sim, o prazer no sofrimento é completamente humano...

segunda-feira, outubro 02, 2006

O que dizer das eleições?


As eleições na Bahia apresentaram, certamente, a maior surpresa que poderia acontecer, em todo o país. Jacques Wagner, candidato ligado da dita "banda podre" do PT, a galera de Dirceu e Berzoinni, chega ao governo do Estado de forma heróica, derrotando um adversário que já dizia, por volta das cinco da tarde do domingo, que a eleição deveria se decidir no primeiro turno. Ele acertou, sim, mas errou tragicamente o vencedor...
Impérios sempre caem. Dizem que quanto maior o tamanho, maior a queda. Contudo, a dinastia Carlista já apresentava, há algum tempo, sinais de estado terminal: perdeu inúmeras prefeituras no interior do estado; a eleição de Lula diminuiu seu poder de barganha frente ao governo federal; e o mais claro deles, perdeu a prefeitura da capital de forma humilhante. Ainda assim, perder o governo do Estado nessa eleição é uma derrota inédita, devido as circunstâncias, e que pode trazer prejuizos imensuráveis. Primeiro, porque o governo do estado era o último reduto de poder formal do carlismo. Segundo, porque Paulo Souto aparecia como possível sucessor do "cabeça branca", articulando os partidários em sua volta e tentando construir uma força política na base da submissão total dos aliados, nos moldes do seu "mestre". Agora a situação muda, e Paulo Souto terá de mostrar a mesma competência do seu "criador", quando esse se viu sem nenhum poder nas mãos, em meados dos anos 80. Sua volta foi triunfal.. Vejamos o que poderá articular Seu pretenso sucessor.
No cenário nacional, a disputa acirra-se. Lula cometeu um erro fatal em não ir ao debate, e acabou levando a decisão para o segundo turno. Claro está que, apesar de não assitir aos debates, o povo choca-se em saber que Lula faltou. Pode-se dizer que o povo brasileiro não analisa as propostas nem procura saber da história política e orientações ideológicas dos candidatos, mas nunca passará batida a "covardia". O pensamento político do nosso povo é eminentemente moralista.
Vejamos agora que tipo de governo fará Wágner. Esse já está um passo a frente do nosso atual prefeito, quando não construiu uma aliança gigantesca e obviamente inoperante.Terá que torcer para uma vitória do Lula no plano nacional e, sobretudo, para que não caia nenhum novo escândalo sobre a honra de seu partido, e consequentemente, sobre a sua honra.

segunda-feira, setembro 25, 2006

Para o amor, as minhas sem razões

As sem Razões do Amor

Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.
Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no elipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.
Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.
Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.


Carlos Drumond de Andrade

Amor foge a dicionários...E foge, igualmente, das explicações racionais para sua presença, ou ausência repentina. É ainda mais amor, no sentido de Drumond, quando submete um quinhão seu a não-existência inexplicável, enquanto mantém viva uma parte, a qual faz sofrer imensamente o novo não-amante. E se cada instante o mata, porque então sofrer quando chega-se ao instante derradeiro?
O amor é imponente e opressor, na medida em que aquele que duvida de sua eternidade é obrigado a conviver com a dor do outro, que o cultua e o dá uma explicação metafísica que é, em si mesma, vazia. O amor é a instância derradeira do encantamento do mundo. Mas o fogo que arde sem se ver queima a carne, e faz o mais novo não-amante se sentir culpado por não mais sentir essa dor...E que a carne do outro pare de arder, torna-se seu mais novo objetivo. O amor é cruel, sádico, quando deixa a casa, mas não leva seu chapéu...

domingo, agosto 27, 2006

Psirico's Way of Life

Era uma quarta-feira. Manhã quente, ônibus cheio. Em minha cabeça passavam milhões de fragmentos de idéias, desde minhas obrigações diárias à questões da geopolitica global. Tudo junto, num arranjo que não pode ser expressado verbalmente. Estava eu a analisar a pouca segurança que me oferecia o disputado lugar frente a porta de embarque no ônibus, naquele reduto reservado aos famigerados "traseiristas", quando a cena surgiu e eu pude contemplá-la.
Era um ponto de ônibus. As pessoas entediadas como sempre. Os vendedores nos seus lugares, talvez menos animados devido aos poucos minutos de sol vividos, já que era bem cedo. O peculiar da cena estava a uma simples virada de cabeça de distância dos meus olhos embaçados: lá estava ele, o pregador-mala-sem-alça da vez.
Sim, é desses caras mesmo que estou falando. Daqueles que soltam berros apaixonados alertando sobre a urgência de entregar nossas vidas ao senhor Jesus. Não vou discutir aqui doutrina religiosa. Isso definitivamente não está em pauta. Trazendo o fenômeno pro plano da racionalidade, é discutível a idéia de que é possível se fazer ouvir quando os gritos causam um incômodo tão grande que fecham os ouvidos de quem os ouve para os sentidos das palavras expressadas. Enfim... Mas isso não tem nada de novo. A novidade é que o "Psirico's way of life" chegou e se encaixou definitivamente nas vidas dos nosso pregradores: O senhor de paletó segurava, tranquilamente, um megafone que exponenciava seus gritos, os quais já estavam longe de serem impotentes. "Mas será o impossível?" balbuciou meu companheiro de traseira. "Agora esses miserave levam umas bifa!", o outro, mais acima, respondeu.
Fiquei pensando. É alarmante como o radicalismo religioso, de qualquer espécie, tende a desrespeitar categoricamente as mínimas regras de convivência social. Os evangélicos têm como principal tarefa pregar seu evangelho por todos os quatro cantos do mundo, ok. Mas precisam invadir com tamanha violência o silêncio matinal daqueles que terão um dia duro no trabalho, faculdades, etc.? Possivelmente, ninguém seja salvo nessas investidas. Talvez o objetivo não seja esse mesmo. Talvez seja tudo uma grande encenação, pra vê se Deus reconhece e salva o dito cujo. Aqui entre nós, não seria no mínimo pouco inteligente querer enganar logo Deus?
E depois queremos demonizar os mulçumanos pelo terrorismo. Nos esquecemos que lá a causa é também doutrinária, e igualmente legítima: a manutenção da fé através do seguimento irrestrito da doutrina do Al Corão. Seguir a doutrina justifica os métodos empregados? Deveríamos cuidar do nosso próprio quintal, antes de dizer que a varanda do vizinho fede a cocô, né não? Mas ai tive que concluir o pensamento. Já estava na porta da sala, abrindo-a para entrar num outro universo. Deixei a resolução dos problemas do mundo pra outra hora...

terça-feira, agosto 22, 2006

Perderam a chance de ficar calado/a....

O Papa confidenciou a uma multidão de 600 mil pessoas (...)
No Jornal Nacional, da TV Globo, em abril de 2006

Veja a seguir: livre da prisão, Gil Rugai está solto (...)
No Jornal da Globo, em abril de 2006

Estudar é bobagem.
[João Uchôa Cavalcanti Netto, empresário, dono da faculdade Estácio de Sá. 2001]

Não gostaria que minha filha namorasse um negro. Não quero ter de passar henê no cabelo do meu neto.
[Cláudia Lúcia, dona de casa que participou do programa 'No Limite'. 2001]

"Não paro de crescer como cantora e compositora". [Tiazinha, sobre a própria 'carreira'. 2001]

"Não precisa ter dez cherokees, nem dez casas, uma só basta, não precisa ter toda esta luxúria".
[Núbia Olive, confundindo pecados capitais na 'Casa dos Artistas'. 2001]

"Não sou 'projetada': a coxa é minha, o abdome também. Até o peito é meu. Eu comprei ele". [Joana Prado, a Feiticeira, setembro de 2000]

"O governo devia melhorar as condições humanas do ser humano". [Alice Tamborindeguy, deputada estadual (RJ) enfática]

"O pessimista é aquele que quer te desencorajar porque ele também não tem coragem. Então, ao invés de adquirir coragem ele quer que você adquira covardia". [Olavo de Carvalho, em auto-referência]

"Político não pode ter a mesma freqüência sexual de uma pessoa normal. Temos de viver política 24 horas por dia".
[César Maia, em palestra para membros do PTB (1999)]


E essas, caros leitores, são as minhas preferidas. Com vocês, George W. Bush:

Os países em desenvolvimento com imensas dívidas externas devem pagá-las com terra, com riquezas. Que vendam suas selvas tropicais.
George W. Bush, candidato à presidência dos Estados Unidos, em debate com Al Gore, Washington, 2000

Existe uma ligação entre a Al Caeda e Saddam Hussein. Vocês sabem por que? Porque eu estou dizendo para vocês.
George W. Bush, após a divulgação, em 2004, do resultado da Comissão Federal que investiga os atentados do 11 de Setembro, comprovando-se que não havia nenhuma ligação entre a Al Caeda e Saddam

É incrível que eu tenha vencido. Concorria contra a paz, prosperidade e boa administração!
George W. Bush, 14 de junho de 2001, em conversa com o primeiro-ministro da Suécia, Goran Perrson, sem saber que uma câmera de TV continuava gravando, ao vivo. Relato de Michael Moore no livro 'Stupid White Men', primeira página.


Essas são só algumas. Para mais boas risadas, acessem: www.consciencia.net. Aliás, a ele dou os créditos dessa singela postagem.

sábado, agosto 12, 2006

Mais Gregório, porque faz bem!

Observando a passagem de Regina Casé por nossa bela cidade, pude perceber reações as mais estranhas. É incrível que grande parte das pessoas que me cercam tenham ficado horrorizadas com o quadro de nossa terra pintado (de forma estranhamente interessante, vindo da Globo...) pelo programa "Central da Periferia". Interessante notar que a pequena burguesia baiana se sente "prejudicada" ao ver suas "vergonhas" exibidas, e em rede nacional. As "barbaridades" que nos ficam escondidas, por detrás dos morros, na cidade baixa - em quase todos os sentidos - não podem servir para ilustrar a nossa Bahia. Trata-se de deixar claro, para todo o país: "A Bahia não é isso não,pô!".
Esse retrato pode ser ampliado, e esse comportamento mediocremente burguês visto como inerente à toda burguesia nacional,esta que vive com os olhos voltados para o norte. Nossa elite está sempre exaltando o que vem de fora. Sempre achando belo, bem feito, civilizado, o que está lá fora. Desta forma reproduzem o velho lema que data da época da colonização, uma típica herança ibérica: suga-se tudo que tem aqui, e assim aproveita-se uma vida digna num país já pronto, oras.Dá muito menos trabalho que consertar e arrumar este país aqui. Gregório de Matos não me deixa mentir. Aqui estão seus versos que, apesar de antigos, continuam bastante pertinentes:


Senhora Dona Bahia
nobre e opulenta cidade,
madrasta dos Naturais,
e dos Estrageiros madre.
Dizei-me por vida vossa,
em que fundais o ditame
de exaltar os que aí vêm,
e abater os que ali nascem?
SE o fazeis pelo interesse,
de que os estranhos vos gabem,
isso os Paisanos fariam
com duplicadas vantagens.
E suposto que os louvores
em boca própria não cabem,
se tem força esta sentença,
mor força terá a verdade.



E assim vamos indo, achando absurda a musicalidade da Liberdade... Triste quadro.

terça-feira, agosto 08, 2006

Só se vê na Bahia?

As eleições se aproximam. Nos vemos, mais uma vez, em frente a um mar de absurdos: candidatos, coligações, propostas, noticias, funcionamento do congresso. Todos absurdos, de fato, mas que já nos parecem incrivelmente comuns. Sim, comuns! Que de nós fica espantado com um novo escândalo no congresso? quem se preocupa com o fato do principal rival do obscuro governo Lula ser um católico radical ligado à Opus Dei, e que mantém um discurso que beira o facismo no que tange à luta contra a violência, por exemplo? Pois é, a inércia e o ostracismo são as respostas mais confortáveis que os cidadãos do século XXI puderam encontrar. O não-espanto, a não-revolta, frente à uma conjuntura política que, logicamente, deveria levar a um comportamento oposto. Há ainda quem critique a campanha da MTV, a favor do voto nulo... Entendo que é mais válido defender alguma coisa - ainda que seja o discutível voto nulo - do que não defender absolutamente nada.
Enfim, dentro do contexto do não-espanto, me debrucei sobre um vídeo que tem rolado na net, onde a "baianidade encarnada", o famigerado ACM, defende, sem nenhuma sombra de vergonha, que as forças armadas "atuem" e defendam a "soberia nacional". É uma coisa tão descarada que deve fazer os sobreviventes da nossa ditadura sentirem novamente aqueles calafrios ao lebrarem da tortura...Como é possível que esse tipo de discurso ainda sobreviva no nosso país? O que faz com que um ator político toque num assunto aparentemente "inapropriado" e saia ileso, sem nem ao menos uma puxãozinho de orelha? Aqui na Bahia, onde ele construiu seu império, inclusive dominando a imprensa, nada disso tem importância: ACM é o rei, não importa o que ele diga. Se ele falou, é o melhor pra Bahia...Mas essa é apenas uma das causas.
Primeiro, porque aqui nada mais espanta. Uns roubam, outros usam a máquina pública em beneficio pessoal, e outros defendem ditaduras, ué... Aqui vale tudo.
Antes que se caia no lugar (e erro) comum de afimar que " o coronel sempre volta as suas origens", é mister entender que ACM nunca foi coronel. Antes disso, sempre foi um ator politico dos mais competentes, que soube absorver a conjuntura e agir de modo a fazer com que ela lhe favorecesse. Foi assim na ditadura, foi assim no nascimento do Brasil neoliberal.
Mas o que explica o comportamento do nosso ancião, afinal? Talvez seja saudade dos tempos das rédeas curtas. Talvez seja um sintoma de sua desconexão com a atual conjuntura política, indicando que uma aposentadoria está próxima. A mim me parece, sem sombras de dúvidas, que ele falou por que acha que pode falar, que ninguém irá questiona-lo e que ainda poderá angariar algum prestígio frente à setores pouco críticos da burguesia nacional. É triste, mas tudo leva a concluir que, se o que o motivou foi o último motivo, ele está cheio de razão...

quarta-feira, julho 26, 2006

Falando em humanidades....

É curioso como nós, seres humanos - esse bicho que não tem nenhuma instância do comportamento determinada geneticamente ( isso é comprovado, cientificamente. portanto, não questionem!)e precisa aprender praticamente a totalidade do seu comportamento social - podemos agir de maneiras diversas: da crueldade ao autruismo desinteressado; do amor fraterno à guerra irracional. Vejam que belos exemplos de comportamento naturalmente humano, mas socialmente condenável:

Aqui

E aqui.

Que sacanagem, esse ultimo, não?

a Era do Gelo e a Era do Aquecimento Global...

Pode parecer estranho, mas A Era do Gelo II é o melhor filme dentre os que assisti nessas ultimas semanas. Não pela história em si. Não pelo esquilozinho, coitado, que sofre horrores pra salvar sua comida. Mas sim pelo interessante conceito de personalidade que o filme ( intencionalmente ou não) traz.Não quero tirar a graça da surpresa daqueles que ainda pretendem ver a animação. Basta dizer que, na história, uma Mamute tem a convicção, a plena convicção, de que é um gambá. Obvio que se trata de um detalhe que retoca o humor de historinha infantil, mas não é só isso. Não passa de um detalhe para quem não procura pêlo em ovo ou agulha no palheiro, como esse que vos fala.
Em primeiro lugar, é um universo em que os animais raciocinam, dialogam, e refletem sobre sua condição de existência, e os amigos devem saber que no nosso "mundo real" apenas um animal carrega esse fardo: nós, esses bichos esquisitos, sem pêlos e garras, que não têm nenhum outro dom mais útil que o seu cérebro enorme. Animais que são psicologicamente humanos, possuem necessidades psiquícas humanas, é claro. Posso afirmar, com toda a certeza que uma pessoa pode ter, que Mamutes não alimentavam quaisquer dúvidas a respeito de sua "mamutilidade", como nenhum cachorro duvida que é cachorro. É muito mais fácil pra eles, porque seu pool genético responde todas essas questões supérfulas possibilitando sua concentração na sobrevivência, pura e simples. A preocupação do nosso mamute confuso nada mais é que um reflexo do carater humano que as animações em geral tem que dar aos aminais e outros seres. Nós, humanos, necessitamos responder, de imediato, algumas questões: o que estamos fazendo aqui? para onde vamos depois daqui? o que é certo fazer por aqui? e ainda, quem sou eu, o qual o meu papel aqui? Essa é a questão que o mamute responde no filme de um jeito, digamos, peculiar.
Essas respostas foram sempre dadas ao longo da história, em cada tempo e em cada sociedade, de formas singulares. Hoje em dia, o conceito de "eu" está desenvolvido no seu máximo. Somos talvez a primeira sociedade na historia desse planeta que consegue defender a idéia ( pelo menos ideologicamente) de que cada individuo é único, tem valores e qualidades idiossincráticas, e, portanto, deve ser livre de amarras e limitações. "seja autêntico", " faça seu estilo", são coisas que se ouve frequentemente hoje em dia, talvez mais até que "bom dia" ou "obrigado". Trazem uma ideia de personalidade tão individualizada quanto possível, e isso acaba tendo duas consequências "vantajosas": milhões e milhões de "estilos próprios" para o mercado de roupas, musicas, livros etc, preencherem; Uma despolitização e falta de percepção de um mundo social, da articulação dos interesses, que trava qualquer tipo de ação "subversiva", organizada e em massa, contra os absurdos do mundo capitalista. Para apoiar tão concepção, a desenvolvimento de "explicações" genéticas para as ações, estilos e prefências individuais servem como referência científica. É interessante como tudo isso, todas essas respostas, que são socialmente construidas e individualmente compreendidas, ganham um ar de naturalidade, quando o são, de fato, escolhas arbitrárias de um animal que precisa simbolizar para conseguir viver. A medida dessa arbitrariedade torna-se visível quando constata-se que essa liberdade ou singularidade do individuo é uma grande mentira. Estamos todos sujeitos as leis e normas sociais e, em certa medida, somos muito mais parecidos que diferentes. Apenas queremos acreditar que somos únicos, "eu mesmo", assim como o mamute quis crer que era um gambá. Enxergar que tal processo é arbitrariamente humano, é o primeiro passo para diminuir sua fatalidade e interferir nessa inércia que se tornou a sociedade ocidental. É o primeiro passo para entendermos que essa forma de significar a realidade ( não discuto se ela é boa ou ruim. Não é ela quem precisa mudar, e sim as consenquências que ela traz)não pode estar pautada numa áurea de naturalidade que nos impessa de agir de forma mais socialmente articulada.
Agora eu pergunto, caro leitor, você está pronto para rever esses conceitos? não, claro que não. Ninguém está, nem mesmo eu, que escrevo essas bobagens. É por isso que esse mundo não tem mais jeito... Você acha que tem??

terça-feira, julho 18, 2006

Falando por música II - O terror em São Paulo....

Brixton, Bronx ou Baixada
O Rappa

Composição: Marcelo Yuca, Nelson Meirelles, Xandão / Marcelo Falcão / Marcelo Lobato

O que as paredes pichadas têm prá me dizer
O que os muros sociais têm prá me contar
Porque aprendemos tão cedo a rezar
Porque tantas seitas têm, aqui seu lugar

É só regar os lírios do gueto que o Beethoven
Negro vêm prá se mostrar
Mas o leite suado é tão ingrato que as gangues
Vão ganhando cada dia mais espaço

Tudo, tudo, tudo igual
Brixton, Bronx ou Baixada (refrão)

A poesia não se perde ela apenas se converte
Pelas mãos no tambor

Que desabafam histórias ritmadas como único
Socorro promissor

Cada qual com seu James Brown
Salve o samba, hip-hop, reggae ou carnaval
Cada qual com seu Jorge Bem
Salve o jazz, baião, e os toques da macumba
Também
Da macumba também

segunda-feira, julho 17, 2006

Sobre amigos e universos semânticos...

Amigos são a família que escolhemos ter. A frase é um clichê antigo, mas válido. Contudo, cabe acrescentar que essa escolha é sempre limitada pelo nosso pequeno universo. Na nossa sociedade pós-moderna, onde os homens correm a todo instante atrás de seus horários e atividades,invertendo a ordem minimamente inteligível das coisas,ninguém perde tempo com atividades fúteis como fazer amigos. Se podemos ao mesmo tempo estar na faculdade e faze-los, tudo bem. Se não, sobrevivemos sem eles. Desta forma, nosso universo de amizades torna-se bastante limitado. Os amigos da faculdade, os amigos do trabalho... O mundo capitalista das maravilhas consumíveis forma pessoas cada vez mais limitadas, pressas nos seus próprios mundinhos.
Refletindo sobre isso, pensei nos amigos de infância. No quanto é embaraçoso encontrá-los. É estranho demais... Algumas pessoas chegam a evitar esse tipo de encontro. O motivo é simples: depois dos cumprimentos, a única pergunta que sobra é " e ai, como você tá?" . Depois disso, o papo que sobra é inversamente proporcional à quantidade de tempo que essa pessoa deixou de fazer parte de seu "mundo". Amigos deixam de serem amigos cada vez mais rápido, nos dias de hoje. E por que será?
Sem querer afirmar, com todas as letras, que a Antropologia pode nos ajudar a refletir sobre inúmeras dessas questões intrigantes - nem muito menos confessar que ela pode acabar fundindo de vez a cuca dos que se entregarem totalmente aos seus "objetivos" -, digo que a noção de universo semântico, usada como pano de fundo por Geertz em "A Interpretação das Culturas", é muito válida nesse sentido. Geertz, interessando em entender culturas diversas da sua, supõe que, havendo dois universos semânticos, ou campos de significação do real( ou ainda simplesmente culturas) diversos, a zona de interpenetração entre eles permitiria uma compreensão, por parte do antropólogo, de alguns aspectos da cultura alheia. Essa interpretação teria como consequência um aumento da área de interpenetração entre as culturas, fazendo com que fosse possivel, a cada novo aumento, entender mais e mais aspectos de uma cultura diversa. É bem mais fácil entender se os amigos pensarem naqueles esquemas que nossos ilustres professores de matemática usavam para representar conjuntos numéricos que possuem números em comum. É como se a intersecção crescesse a cada nova interpetração antropológica.
Se ficou chato, não importa muito; o que queria era resgatar a idéia de universo semântico. É engraçado como na nossa atual sociedade os universos semânticos se subdividem e, por consequência, se mutiplicam a cada dia, a ponto de você não conseguir estabelecer um diálogo de mais de três minutos com alguém que fora seu bom amigo a pouquíssimo tempo. As pessoas estão cada vez mais enfiadas em suas atividades, nos seus horários, nos seus problemas, que acabam reduzindo ao limite extremo sua rede de amigos ( reais, orkut não vale...). É aquela história, antes tinhamos pessoas que sabiam quase nada de quase tudo; hoje, nos tempos do "especialista", temos pessoas que sabem quase tudo de quase nada. Um doutor em articulações dos dedos do pé... Me diga, caro leitor, o que você poderia conversar com um doutor em dedos dos pés?
Soluções para tal mal do mundo pós-moderno não são assim tão fáceis. Talvez um pouco de atitude "antropológica", no sentido de estar sempre querendo avançar no universo semântico dos velhos amigos, exigiria muita disciplina, além de uma coragem enorme de se empenhar numa atividade que poderia deixar qualquer um maluco...Em que cabeça cabe, tudo junto, o universo semântico daquele doutor em dedos do pé e de um cobrador de ônibus, por exemplo? Ser antropólogo é dar um passo largo em direção à loucura... Tô fora!

segunda-feira, julho 10, 2006

Eficácia política X Eficácia simbólica

Os solterapolitanos já viram. Fomos brindados com algumas daquelas faixas que surgem em época de eleição: " Deputado não-sei-das-quantas deseja sorte para nossa seleção!". É engraçado como esse tipo de marketing funciona. Apesar de não saber exatamente como isso se dá lá fora, tenho uma inclinação pela idéia de que esse tipo de coisa só funciona aqui no Brasil, com nossa cultura politica personalista e até mesmo maniqueísta. Mas esse não é o ponto, nesse texto.
O que achei interessante é um paralelo, um tanto quanto grosseiro, que pode ser feito entre esse tipo de simbolísmo político, se podemos chamar assim, e a simbologia das tribos indígenas e dos xamãs. Em " Antropologia Estrutural", Levi-Strauss mostra de forma bastante interessante como funciona o mecanismo de cura xamanística. Ela é, antes de tudo, uma reestruturação dos acontecimentos empíricos dentro de um sistema simbólico socialmente convencionado entre os índios. Uma doença, ou um parto difícil, trás ao seio social fatos extraordinários, ou seja, que não podem ser explicados nem colocados em ordem senão pela explicação sobrenatural, que se constitui num sistema de símbolos, da qual o xamã é principal guardião. Os mecanismos materiais da cura, que podem parecer aos nossos olhos ocidentais um charlatanismo vagabundo, são muito mais complexos que isso. Basta dizer que o xamã crê de fato que aqueles procedimentos estimulam os espíritos e outros fatores sobrenaturais, ocasionando na cura. Contudo, a cura vem, na verdade, pelo ordenamento das acontecimentos, o qual o mito oferece ao doente. Entendo a sequência de acontecimentos previstos pelo mito, o corpo do individuo acaba trabalhando em prol da cura física, fisiológica, porque pode sentir que essa é a ordem natural das coisas, e não o fim dos tempos, uma desordem absoluta. Entraria aqui a explicação de uma noção de incosciente que deixaria o texto mais chato ainda. Basta dizer que a saída que o mito oferece frente ao caos - que é comuma nós ocidentais, na psicanálise - é a chave para a cura. A simbologia, ordenada, é eficiente, justificando o título desse pequeno devaneio.
Na politica brasileira, numa analogia já sabidamente grosseira, ocorre algo semelhante, com algumas diferenças básicas. Os problemas,ou a desordem é também empírica: o individuo não tem emprego, a rua não tem asfalto, o poste não tem luz;o politico, muito bem assessorado, oferece o mito da salvação: o homem bom, honesto, trabalhador, patriota, que vai chegar no poder e resolver todos os problemas. O homem do povo, a voz do povo frente aos "poderosos". As pessoas, fascinadas pelo mito votam, e elegem. O grande problema é que, nesse caso, apenas o mito oferecido, e a solução que ele traz à confusão psiquica, não corresponde a realização da "cura" no plano físico. O mito não resolve. Ao contrário do xamã, que provoca na doente a reação à doença e a cura, a eleição dos "homens do povo", carregada de mitologia, não acarreta no ordenamento imediato das idéias da forma que poderia resolver de fato os problemas do povo. o mito acaba personificando a luta de toda uma classe, colocando na mão de uma figura a solução de suas vidas, quando o que, na humilde opinião desse que vos fala, o que resolveria a "doença social" seria a tomada de consciência, tornar a classe mais crítica, e fazê-la perceber que apenas com junção de esforços e com a luta organizada se pode travar os objetivos contrários aos seus, fazendo com que a desordem empírica suma. De fato, aqui a desordem no plano das idéias, que quando desfeita desfaz a desordem no plano físico, não pode ser sanada apenas pelo "homem do povo", pelo mito que ele traz. O político que, sabendo disso, usa o mito apenas parar fins pessoais, não merece de nós a mesma admiração que o xamã faz por merecer. A eficácia simbólica do segundo, ainda que não lhe seja possivel compreende-la, cura. O politico é desonesto: oferece um mito inútil, ou útil apenas para si próprio, na medida em que ele alcança objetivos pessoais, o que pode ser chamado( eu, pelo menos, acho que pode...) de "eficácia política".
Até quando a "eficácia política" irá travar a luta pela "cura" para nosso povo? Até quando ela irá travar um processo que seja mais justamente comparado com a "eficácia simbólica"? Mais uma daquelas perguntas para qual não pretendo formular respostas....

sexta-feira, julho 07, 2006

Soneto


Largo em sentir, em respirar sucinto
Peno, e calo tão fino, e tão atento,
Que fazendo disfarce do tormento
Mostro, que o não padeço, e sei, que o sinto.

O mal, que fora encubro, ou que desminto,
Dentro do coração é, que o sustento,
Com que para penar é sentimento,
Para não se entender é labirinto.

Ninguém sufoca a voz nos seus retiros;
Da tempestade é o estrondo efeito:
Lá tem ecos a terra, o mar suspiros.

Mas oh do meu segredo alto conceito!
Pois não me chegam a vir à boca os tiros
Dos combates, que vão dentro do peito.



Gregório de Matos

segunda-feira, julho 03, 2006

Sobre mulheres e a economia mundial....

Tempos atrás ouvi alguém dizer: " sem as mulheres, o comércio mundial estaria acabado!". Não percebi a profundidade da frase logo de cara. Pensei ser mais uma daquela frases que se perpetuam apoiadas no rótulo de "sabedoria popular", mas que de sabedoria mesmo, tem muito pouco ou quase nada.
Porém, outro dia, resolvi assumir a velha postura observadora enquanto passava por visita forçada ao seio do consumo soterapolitano,o shopping Iguatemi. O são joaão se aproximava,e o shopping fervia. Não precisa ser um bom observador para perceber a diferença entre a quantidade de mulheres e de homens naquele ambiente, e naquele período. No coração da ebulição, a C&A, essa diferença era gritante. Foi ai que começou a ficar divertido. A sequência escolher, experimentar, pedir opinião, trocar, e por fim, comprar, sempre me pareceu penosa. Para todas as mulheres naquela loja, sem exceção, essa era a forma mais elementar e eficaz de diversão. Sim, as mulheres se divertem com a dúvida, com as milhares de opções para uma coisa tão simples como uma calcinha, enfim, adoram o mar de incentivos à beleza feminina e a possibilidade de paga-los em 8 parcelas "fixas". Elas amam comprar, mas não só por obter algo material. Amam o processo da compra! Essa é a particularidade. Homens também adoram obter coisas novas. Contudo, que esse processo seja o mais rápido e objetivo possivel, e meta de qualquer corpo carregado de testosterona. Tenho provas factuais para o que digo: a fila do provador feminimo tinha cinco a seis metros a mais que a do maculino; nelas havia mais funcionários trabalhando; me pareceu claro que esses funcionários eram instruidos a não dar NENHUM palpite. Acreditem, elas pediam palpite a qualquer um!
Os comerciantes tem a noção exata disso. A loja da C&A reserva o seu primeiro piso exclusivamente pros delírios femininos.Assim elas entram e vêem logo o seu objeto de desejo. Uma tática muito interessante. Além disso, vocês já viram revistas da Natura, Avon ou coisa que o valha? são quase que exclusivamente femininas. A parte masculina é essencialmente destinada a presentes. Porque as mulheres adoram escolher presentes, também.
É engraçado como elas andam em bando. Desafio o leitor a encontrar homens em bando, nos shoppings, comprando... Há também toda uma linguagem própria que fica longe do alcance de qualquer ser humano do gênero masculino, inclusive desse que vos fala. Porque cargas d'agua, as mulheres referem-se a algum produto que acharam bonito com o verbo estar? " Essa calça tá linda..." Porque não dizer " essa calça é linda?" coisa que não me esforço muito pra entender.Reconheço minhas limitações.
O que seria do comércio mundial sem essa aptidão feminina à compra? Elas, levadas por caracteristicas possivelmente genéticas, constróem verdadeiros impérios, como a C&A. E os constrói de forma laboriosa: não basta apenas o gosto pelo processo da compra, tem de haver o convecimento de maridos e namorados, a lábia pra conseguir descontos, a insistência em querer tal cor, tal tamanho, a reclamação revoltada quando se sente lesada... Viva às mulheres, motores da economia mundial!

sexta-feira, junho 30, 2006

Falando por música.

No Surprises
Radiohead
Composição: Radiohead

A heart that's full up like a landfill
A job that slowly kills you
Bruises that won't heal

You look so tired and unhappy
Bring down the government
They don't, they don't speak for us
I'll take a quiet life
A handshake of carbon monoxide

No alarms and no surprises
No alarms and no surprises
No alarms and no surprises
Silent, silent

This is my final fit, my final bellyache with

No alarms and no surprises
No alarms and no surprises
No alarms and no surprises please

Such a pretty house, such a pretty garden

No alarms and no surprises (let me out of here)
No alarms and no surprises (let me out of here)
No alarms and no surprises please (let me out of here)

quarta-feira, junho 28, 2006

Imprensa livremente subordinada....

Fui surpreendido, numa das últimas edições do Jornal Nacional ( juro que não consigo lembrar que dia foi...), com um pedido de desculpas que seria ridículo. Sim, seria ridículo se não fosse feito pela toda poderosa Rede Globo. Coube à Fátima Bernardes, devidamente portegida contra o frio alemão, baixar a cabeça - com certo charme, mas baixar a cabeça!- frente a uma birrazinha do Parreira, que achou "invasivo" o quadro "leitura labial", apresentado no Fantástico.
Eu fiquei realmente surpreso, porque achei esse quadro a coisa mais interessante de TODO o programa. Bem feito, com um humor de bom gosto, e que além disso aproxima os torcedores de seus ídolos, na medida em que deixa claro que eles também ficam nervosos, também xingam, também se preocupam de verdade com seus problemas, enfim, que são gente como a gente.Quem já imaginou ver o sempre tão educadinho Parreira dizer:"tirar o Émerson vai ser f..."? Eu nunca tinha pensado na cena. Sensacional.
Mas ai, o Parreira não gostou e a Globo, poderosa que só ela, baixa a cabeça? Ah, como é que pode? E a imprensa livre? e o fato de Parreira estar num evento público sujeito a todo tipo de observação?
O pior é saber que toda essa subserviência é em troca daquelas entrevistas exclusivas insuportáveis, onde pergunta-se sempre as mesmas coisas, e ouve-se sempre as mesmas respostas, naquele mar de informações sem sentido que nos atormentou no período pré-copa: hoje, Ronaldinho espirrou; ontem, Roberto Carlos chutou mais bolas ao gol que anteontem... Será que vale a pena? É tão fácil ser tão insuportávelmente detalhista sem precisar submeter-se aos caprichos da CBF... Vejam a ESPN Brasil, que vem conseguindo manter um nível de transmissão parecido com o da Globo, mantendo um certo grau de "independência"! Sinceramente, acho essa transmissão detalhadissima um saco; e quando conseguem fazer algo de bom, a liberdade da imprensa é posta de lado pela própria imprensa... Absurdo.
Mas tomara que eu esteja completamente errado e que, no domingo, o Fantástico volte a exibir o quadro e, com isso, salve a minha noite.

domingo, junho 25, 2006

Um fato, duas versões...

" Um ônibus lotado num dia cinza. Pessoas caladas, cada qual pensando nos seus problemas, desejos, aspirações... Algumas falam, expondo a algum conhecido os mesmos sentimentos que os outros apenas pensam. É um dia normal. É só mais um dia.
O ônibus pára. A porta dianteira se abre. Pedintes e baleiros, além de senhores de idade e deficientes usam-a todos os dias para entrar no coletivo. Até ai, tudo normal. Porém desta vez, grata surpresa, sobe uma figura diferente. Com seus quase cinquenta, humilde, um chapéu levemente inclinado na cabeça, roupas sujas e deveras desgastadas. Ele trazia uma pequena sanfona junto ao peito. Sentou-se, agradeceu ao motorista e começou a se preparar para a apresentação. O rosto sofrido trazia um leve sorriso, como quem anuncia o momento singular que estava por vir.Ajeitou a sanfona, e pode-se ouvir as primeiras notas.
Concomitantemente, vieram as reações. As pessoas notam quando algo interfere no seu dia normal. Os que falavam, calaram-se. Alguns fizeram cara de reprovação. Outros - a grande maioria - esboçaram um sorriso. "laiê, laiê, laiê rerê rerê...", e os sorrisos aumentaram. De repente, o dia cinza parecia ter ganhado mais cor, o céu mostrava um lindo azul, as árvores estavam mais verdes. A alegria da múscia contagiou a todos. Alguns insistiam em manter a cara de dia normal. Outros acompanhavam alegremente os versos " minha vida é andar por esse país...". O artista popular atingiu sua meta: trouxe alegria ao seu público.
As moedas que pediu em troca nunca pdoeriam pagar a dose de ânimo e de energia trazidas por sua música. E mesmo assim, o velho pobre, com as marcas de sofrimento de uma vida muito dura, saiu sorridente, desejando um bom dia a todos. Elel saiu feliz, apesar de ganhar apenas o necessário para sobreviver. Saiu feliz como um velho nordestino que consegue ver que na vida o importante é querer viver com alegria. E é ainda mais digno de admiração um velho que enxerga tudo isso sem os olhos. Sim, o nosso artista é cego, fisicamente cego. Creio que havia pessoas naquele coletivo muito mais cegas que ele, apesar de terem os olhos saudáveis...."



Eu escrevi esse texto há algum tempo. Engraçado que a mesma situação me ocorreu, dia desses. E mais engraçado ainda é que a minha percepção do fato foi muito diferente... primeiro, já não sou tão crítico assim de dias normais. Os dias que não são normais, normalmente trazem mais problemas que surpresas boas. E não são, de jeito nenhum, mais coloridos que os normais... Eu continuo achando que a música dele traz alegria, mas já consigo entender que muitas pessoas simplesmente não queiram ficar felizes, ora bolas. Também continuo acreditando que as moedas que ele pede em troca não podem de forma alguma pagar a um músico de tamanha qualidade, mas isso agora me revolta! E no sorriso dele, onde antes enxergava um exemplo, hoje enxergo muito mais conformismo. "Só a luta muda a vida", pensei. Quando será que fui mais justo? Desisti de pensar na questão antes mesmo de terminar de formulá-la...

quinta-feira, junho 22, 2006

Americanismo acrítico....

Aqui está a prova, irretorquível, da origem estrangeira e, ainda pior, americana, da mais nova coqueluche soterapolitana e da bahia em geral.

Aqui está.
Até onde vai esse americanismo nosso, meu Deus do céu? Agora é que eu não arrocho meeesmo!


E aqui mais uma prova: o Angra, que está logicamente antenado com as ondas americanas de forma muito mais concreta que nós da província chamada Salvador, entrando na onda arrocheira antes de Nara Costa´s e Silvano Salles´s da vida.

Aqui.


Lamentável...

terça-feira, junho 20, 2006

Copa do Mundo




É muito clichê. Clichê demais mesmo, admito. Mas fugir do assunto Copa do Mundo tornou-se tarefa árdua frente a invasão das transmissões 24 horas das tvs cheias de tecnologia. Longe de mim a intenção der querer ser o crítico das críticas,aquele que vê tudo de cima. Mas eu não concordo com quase nada do que se diz por ai enquanto estamos assistindo o tão grandioso evento futebolístico.
Em primeiro lugar, classifico como vazia, rasa mesmo, a idéia defendida por muitos, de que o ufanismo caracteristico do período de Copas "aliena" os brasileiros, e os faz esquecer que o seu país é pobre, que tem gente passando fome, que os caras que nos representam dentro das quatro linhas ganham rios de dinheiro lá fora, enquanto o pau come por aqui, blá blá blá. É vazia por ser essa "alienação" exterior, anterior e superior a qualquer evento esportivo. Afinal, em qual outro período do ano ou da década o povo brasileiro não foi acomodado, desmobilizado e "alienado"? Então, não me venham com churumelas. A culpa da nossa inércia política está longe, bem longe mesmo, de poder ser atribuida ao futebol.Eu diria, do alto dos meus vinte anos e pautado no grande acúmulo de conhecimento que tenho sobre o problema(rs), que há uma junção de inúmeras causas nessa inércia. Mas isso é assunto pra outra hora....Vale dizer que torcer contra a seleção, apoiado nos argumentos descritos acima, longe de ser uma postura "politizada", é só, e somente só, coisa de gente muito da chata. Jogo duro contra a Croácia, Brasil levando pressão, e vem um panaca de lá e diz: Vamo Croáaaacia! Ah, vai pra....
Bom, agora o outro lado da moeda. A campanha da Rede Globo nesse período, ressaltando os "símbolos nacionais", o orgulho do povo e coisas do gênero, também é de dar nos nervos. Tudo bem, muito provavelmente a audiência absurda que a Globo tem nesse período é conseguida tanto pela tradicional liderança de audiência como, diga-se de passagem, pela campanha tecnicamente bem feita. Se dá certo, devemos parabenizar, porque é isso que importa, diria Maquiavel(ressalvando-se a idéia original de Maquiavel, que identificava a eficácia das ações como medida de sua qualidade no campo político. Perdoem a analogia forçada, mas o blog é meu, então eu posso!). Mas analisando menos (ou mais) friamente a questão, não bem assim não, pô. Futebol é um jogo, os caras ganham muito bem pra jogá-lo, e não tem nada de patriótico naquilo. É um jogo. Usamos o critério de torcer para aqueles que nasceram no mesmo país que nós. Muitas vezes lá longe, onde nunca fomos. É um dos critérios, mas não precisa ser transformado em obrigação patriótica. A Globo faz, exagera e enche o saco.
Eu, particularmente, torço pro Brasil porque considero que é um time excepcional. Sem dúvidas o jogador brasileiro é diferenciado, criativo, ousado. Dá gosto de ver. Mas transformar isso numa querra nacionalista desarmada, é demais pra minha cabecinha.
Dito isso tudo, resta torcer. Pra frente Brasil, salve a seleção!

segunda-feira, junho 19, 2006

Uma do Cartola, pra começar bem...


O Mundo é Um Moinho
Cartola


Ainda é cedo amor
Mal começaste a conhecer a vida
Já anuncias a hora da partida
Sem saber mesmo o rumo que iras tomar
Preste atenção querida
Embora eu saiba que estás resolvida
em cada esquina cai um pouco tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és
Ouça-me bem amor
Preste atenção o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos tão mesquinhos
Vai reduzir as ilusões à pó
Preste atenção querida
Em cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás à beira do abismo
Abismo que cavastes com teus pés

Quando nem o meu Horror é meu só...

Eu odeio hospitais. A explicação para tal sentimento pode tomar vários caminhos. Gosto, particularmente, de dois. Um seria considerar uma inclinação natural: as pessoas vão a um hospital quando não estão bem, logo, o instinto de preservação manda fugir deles, enquanto é possivel. Mas essa explicação é por demais genérica e acaba me remetendo a um sentimento de não-exclusividade em relação aos que me cercam, e isso em uma sociedade capitalista dos "seres individuais", e do "estilo próprio", pode me levar a um suicídio. O outro é mais subjetivo ( e, felizmente, me parece mais "individual"): tenho horror a climas tensos, de qualquer espécie. Não é medo da morte, não mesmo. Isso seria natural demais, também. Eu não suporto o limite entre o sofrimento e o alívio, intríseco a qualquer ambiente de tensão. Prefiro sofrer logo, ou aliviar-me logo. Alguém poderia dizer que a tensão já é uma maneira de sofrer, e que todo mundo sofre com a tensão, mas eu não consigo sofrer enquanto estou tenso, e me apego nesse mínimo detalhe que eu mesmo forjei pra assegurar minha individualidade. Sim, eu sou humano. Mas só naturalmente humano.
Bem, acontece que, dia desses, vindo da faculdade, recebi um chamado de emergência familiar. Não interessa entrar em detalhes. Interessa que tive de ir a um hospital. Classe média, arrumadinho. Até o cheiro característico era bem disfarçado. Enfim, resolvi aproveitar a situação inevitavelmente desagradável e fazer algo de útil. Comecei a observar pessoas que, notadamente, eram frequentadoras assíduas daquele ambiente. Foi ficando engraçado... São pessoas obviamente debilitadas, algumas com a morte a bater na porta. Contudo, o que menos se vê é tristeza, ao menos tristeza exposta. Para além das conjecturas possíveis, achei relevante a familiaridade que aquelas pessoas têm com um ambiente que a mim me parecia tão assustador. Elas passeiam pelos corredores, brincam com os funcionários, comemoram os gols da Copa do Mundo em frente à tv. E aos poucos meu horror foi se transformando em curiosidade, e depois, em conformismo. Pensei cá com os meus botões, " o próximo passo é tranformar esse conformismo em felicidade!". Quis correr. Meu tão peculiar ódio por hospitais estaria indo embora. Depois, passado o susto, ri sozinho lembrando de umas aulas de antropologia. Bastaram algumas horas pra que eu tranformasse aquele ambiente confuso em um conjunto ordenado de idéias e conceitos e, ao perceber que quase ninguém "sofria" ali, o horror que parecia ter raizes naturais - ou apenas individuais -, sumiu. A interação social o fez desaparecer. Quando dei por mim, já estava quase gostando do lugar, das companhias... A conclusão óbvia é que aquele horror outrora citado como só meu, ou apenas um vestígio de instinto de sobrevivência, não poderia desaparecer assim, sendo um ou outro. O horror era cultural, e pautado num preconceito. Portanto, nunca fora só meu!
O ser humano é absurdamente anti-natural. Como pode, algum ser vivo, se divertir num hospital? E, afinal, como pode um terror, o mais evidentemente natural, ser desmascarado, simples assim, como um preconceito socialmente forjado? O temor que quis que fosse exclusivamente meu, é social e culturalmente construído? Definitivamente, antropologia não combina com os tempos de "Malhação", MTV e RBD. Eu quero ser exclusivo. Eu quero ser eu mesmo! Eu quero ser só naturalmente humano! Mas a antropologia não deixa. Ah, que saco! Vou dormir, pra esquecer...