quarta-feira, julho 26, 2006

Falando em humanidades....

É curioso como nós, seres humanos - esse bicho que não tem nenhuma instância do comportamento determinada geneticamente ( isso é comprovado, cientificamente. portanto, não questionem!)e precisa aprender praticamente a totalidade do seu comportamento social - podemos agir de maneiras diversas: da crueldade ao autruismo desinteressado; do amor fraterno à guerra irracional. Vejam que belos exemplos de comportamento naturalmente humano, mas socialmente condenável:

Aqui

E aqui.

Que sacanagem, esse ultimo, não?

a Era do Gelo e a Era do Aquecimento Global...

Pode parecer estranho, mas A Era do Gelo II é o melhor filme dentre os que assisti nessas ultimas semanas. Não pela história em si. Não pelo esquilozinho, coitado, que sofre horrores pra salvar sua comida. Mas sim pelo interessante conceito de personalidade que o filme ( intencionalmente ou não) traz.Não quero tirar a graça da surpresa daqueles que ainda pretendem ver a animação. Basta dizer que, na história, uma Mamute tem a convicção, a plena convicção, de que é um gambá. Obvio que se trata de um detalhe que retoca o humor de historinha infantil, mas não é só isso. Não passa de um detalhe para quem não procura pêlo em ovo ou agulha no palheiro, como esse que vos fala.
Em primeiro lugar, é um universo em que os animais raciocinam, dialogam, e refletem sobre sua condição de existência, e os amigos devem saber que no nosso "mundo real" apenas um animal carrega esse fardo: nós, esses bichos esquisitos, sem pêlos e garras, que não têm nenhum outro dom mais útil que o seu cérebro enorme. Animais que são psicologicamente humanos, possuem necessidades psiquícas humanas, é claro. Posso afirmar, com toda a certeza que uma pessoa pode ter, que Mamutes não alimentavam quaisquer dúvidas a respeito de sua "mamutilidade", como nenhum cachorro duvida que é cachorro. É muito mais fácil pra eles, porque seu pool genético responde todas essas questões supérfulas possibilitando sua concentração na sobrevivência, pura e simples. A preocupação do nosso mamute confuso nada mais é que um reflexo do carater humano que as animações em geral tem que dar aos aminais e outros seres. Nós, humanos, necessitamos responder, de imediato, algumas questões: o que estamos fazendo aqui? para onde vamos depois daqui? o que é certo fazer por aqui? e ainda, quem sou eu, o qual o meu papel aqui? Essa é a questão que o mamute responde no filme de um jeito, digamos, peculiar.
Essas respostas foram sempre dadas ao longo da história, em cada tempo e em cada sociedade, de formas singulares. Hoje em dia, o conceito de "eu" está desenvolvido no seu máximo. Somos talvez a primeira sociedade na historia desse planeta que consegue defender a idéia ( pelo menos ideologicamente) de que cada individuo é único, tem valores e qualidades idiossincráticas, e, portanto, deve ser livre de amarras e limitações. "seja autêntico", " faça seu estilo", são coisas que se ouve frequentemente hoje em dia, talvez mais até que "bom dia" ou "obrigado". Trazem uma ideia de personalidade tão individualizada quanto possível, e isso acaba tendo duas consequências "vantajosas": milhões e milhões de "estilos próprios" para o mercado de roupas, musicas, livros etc, preencherem; Uma despolitização e falta de percepção de um mundo social, da articulação dos interesses, que trava qualquer tipo de ação "subversiva", organizada e em massa, contra os absurdos do mundo capitalista. Para apoiar tão concepção, a desenvolvimento de "explicações" genéticas para as ações, estilos e prefências individuais servem como referência científica. É interessante como tudo isso, todas essas respostas, que são socialmente construidas e individualmente compreendidas, ganham um ar de naturalidade, quando o são, de fato, escolhas arbitrárias de um animal que precisa simbolizar para conseguir viver. A medida dessa arbitrariedade torna-se visível quando constata-se que essa liberdade ou singularidade do individuo é uma grande mentira. Estamos todos sujeitos as leis e normas sociais e, em certa medida, somos muito mais parecidos que diferentes. Apenas queremos acreditar que somos únicos, "eu mesmo", assim como o mamute quis crer que era um gambá. Enxergar que tal processo é arbitrariamente humano, é o primeiro passo para diminuir sua fatalidade e interferir nessa inércia que se tornou a sociedade ocidental. É o primeiro passo para entendermos que essa forma de significar a realidade ( não discuto se ela é boa ou ruim. Não é ela quem precisa mudar, e sim as consenquências que ela traz)não pode estar pautada numa áurea de naturalidade que nos impessa de agir de forma mais socialmente articulada.
Agora eu pergunto, caro leitor, você está pronto para rever esses conceitos? não, claro que não. Ninguém está, nem mesmo eu, que escrevo essas bobagens. É por isso que esse mundo não tem mais jeito... Você acha que tem??

terça-feira, julho 18, 2006

Falando por música II - O terror em São Paulo....

Brixton, Bronx ou Baixada
O Rappa

Composição: Marcelo Yuca, Nelson Meirelles, Xandão / Marcelo Falcão / Marcelo Lobato

O que as paredes pichadas têm prá me dizer
O que os muros sociais têm prá me contar
Porque aprendemos tão cedo a rezar
Porque tantas seitas têm, aqui seu lugar

É só regar os lírios do gueto que o Beethoven
Negro vêm prá se mostrar
Mas o leite suado é tão ingrato que as gangues
Vão ganhando cada dia mais espaço

Tudo, tudo, tudo igual
Brixton, Bronx ou Baixada (refrão)

A poesia não se perde ela apenas se converte
Pelas mãos no tambor

Que desabafam histórias ritmadas como único
Socorro promissor

Cada qual com seu James Brown
Salve o samba, hip-hop, reggae ou carnaval
Cada qual com seu Jorge Bem
Salve o jazz, baião, e os toques da macumba
Também
Da macumba também

segunda-feira, julho 17, 2006

Sobre amigos e universos semânticos...

Amigos são a família que escolhemos ter. A frase é um clichê antigo, mas válido. Contudo, cabe acrescentar que essa escolha é sempre limitada pelo nosso pequeno universo. Na nossa sociedade pós-moderna, onde os homens correm a todo instante atrás de seus horários e atividades,invertendo a ordem minimamente inteligível das coisas,ninguém perde tempo com atividades fúteis como fazer amigos. Se podemos ao mesmo tempo estar na faculdade e faze-los, tudo bem. Se não, sobrevivemos sem eles. Desta forma, nosso universo de amizades torna-se bastante limitado. Os amigos da faculdade, os amigos do trabalho... O mundo capitalista das maravilhas consumíveis forma pessoas cada vez mais limitadas, pressas nos seus próprios mundinhos.
Refletindo sobre isso, pensei nos amigos de infância. No quanto é embaraçoso encontrá-los. É estranho demais... Algumas pessoas chegam a evitar esse tipo de encontro. O motivo é simples: depois dos cumprimentos, a única pergunta que sobra é " e ai, como você tá?" . Depois disso, o papo que sobra é inversamente proporcional à quantidade de tempo que essa pessoa deixou de fazer parte de seu "mundo". Amigos deixam de serem amigos cada vez mais rápido, nos dias de hoje. E por que será?
Sem querer afirmar, com todas as letras, que a Antropologia pode nos ajudar a refletir sobre inúmeras dessas questões intrigantes - nem muito menos confessar que ela pode acabar fundindo de vez a cuca dos que se entregarem totalmente aos seus "objetivos" -, digo que a noção de universo semântico, usada como pano de fundo por Geertz em "A Interpretação das Culturas", é muito válida nesse sentido. Geertz, interessando em entender culturas diversas da sua, supõe que, havendo dois universos semânticos, ou campos de significação do real( ou ainda simplesmente culturas) diversos, a zona de interpenetração entre eles permitiria uma compreensão, por parte do antropólogo, de alguns aspectos da cultura alheia. Essa interpretação teria como consequência um aumento da área de interpenetração entre as culturas, fazendo com que fosse possivel, a cada novo aumento, entender mais e mais aspectos de uma cultura diversa. É bem mais fácil entender se os amigos pensarem naqueles esquemas que nossos ilustres professores de matemática usavam para representar conjuntos numéricos que possuem números em comum. É como se a intersecção crescesse a cada nova interpetração antropológica.
Se ficou chato, não importa muito; o que queria era resgatar a idéia de universo semântico. É engraçado como na nossa atual sociedade os universos semânticos se subdividem e, por consequência, se mutiplicam a cada dia, a ponto de você não conseguir estabelecer um diálogo de mais de três minutos com alguém que fora seu bom amigo a pouquíssimo tempo. As pessoas estão cada vez mais enfiadas em suas atividades, nos seus horários, nos seus problemas, que acabam reduzindo ao limite extremo sua rede de amigos ( reais, orkut não vale...). É aquela história, antes tinhamos pessoas que sabiam quase nada de quase tudo; hoje, nos tempos do "especialista", temos pessoas que sabem quase tudo de quase nada. Um doutor em articulações dos dedos do pé... Me diga, caro leitor, o que você poderia conversar com um doutor em dedos dos pés?
Soluções para tal mal do mundo pós-moderno não são assim tão fáceis. Talvez um pouco de atitude "antropológica", no sentido de estar sempre querendo avançar no universo semântico dos velhos amigos, exigiria muita disciplina, além de uma coragem enorme de se empenhar numa atividade que poderia deixar qualquer um maluco...Em que cabeça cabe, tudo junto, o universo semântico daquele doutor em dedos do pé e de um cobrador de ônibus, por exemplo? Ser antropólogo é dar um passo largo em direção à loucura... Tô fora!

segunda-feira, julho 10, 2006

Eficácia política X Eficácia simbólica

Os solterapolitanos já viram. Fomos brindados com algumas daquelas faixas que surgem em época de eleição: " Deputado não-sei-das-quantas deseja sorte para nossa seleção!". É engraçado como esse tipo de marketing funciona. Apesar de não saber exatamente como isso se dá lá fora, tenho uma inclinação pela idéia de que esse tipo de coisa só funciona aqui no Brasil, com nossa cultura politica personalista e até mesmo maniqueísta. Mas esse não é o ponto, nesse texto.
O que achei interessante é um paralelo, um tanto quanto grosseiro, que pode ser feito entre esse tipo de simbolísmo político, se podemos chamar assim, e a simbologia das tribos indígenas e dos xamãs. Em " Antropologia Estrutural", Levi-Strauss mostra de forma bastante interessante como funciona o mecanismo de cura xamanística. Ela é, antes de tudo, uma reestruturação dos acontecimentos empíricos dentro de um sistema simbólico socialmente convencionado entre os índios. Uma doença, ou um parto difícil, trás ao seio social fatos extraordinários, ou seja, que não podem ser explicados nem colocados em ordem senão pela explicação sobrenatural, que se constitui num sistema de símbolos, da qual o xamã é principal guardião. Os mecanismos materiais da cura, que podem parecer aos nossos olhos ocidentais um charlatanismo vagabundo, são muito mais complexos que isso. Basta dizer que o xamã crê de fato que aqueles procedimentos estimulam os espíritos e outros fatores sobrenaturais, ocasionando na cura. Contudo, a cura vem, na verdade, pelo ordenamento das acontecimentos, o qual o mito oferece ao doente. Entendo a sequência de acontecimentos previstos pelo mito, o corpo do individuo acaba trabalhando em prol da cura física, fisiológica, porque pode sentir que essa é a ordem natural das coisas, e não o fim dos tempos, uma desordem absoluta. Entraria aqui a explicação de uma noção de incosciente que deixaria o texto mais chato ainda. Basta dizer que a saída que o mito oferece frente ao caos - que é comuma nós ocidentais, na psicanálise - é a chave para a cura. A simbologia, ordenada, é eficiente, justificando o título desse pequeno devaneio.
Na politica brasileira, numa analogia já sabidamente grosseira, ocorre algo semelhante, com algumas diferenças básicas. Os problemas,ou a desordem é também empírica: o individuo não tem emprego, a rua não tem asfalto, o poste não tem luz;o politico, muito bem assessorado, oferece o mito da salvação: o homem bom, honesto, trabalhador, patriota, que vai chegar no poder e resolver todos os problemas. O homem do povo, a voz do povo frente aos "poderosos". As pessoas, fascinadas pelo mito votam, e elegem. O grande problema é que, nesse caso, apenas o mito oferecido, e a solução que ele traz à confusão psiquica, não corresponde a realização da "cura" no plano físico. O mito não resolve. Ao contrário do xamã, que provoca na doente a reação à doença e a cura, a eleição dos "homens do povo", carregada de mitologia, não acarreta no ordenamento imediato das idéias da forma que poderia resolver de fato os problemas do povo. o mito acaba personificando a luta de toda uma classe, colocando na mão de uma figura a solução de suas vidas, quando o que, na humilde opinião desse que vos fala, o que resolveria a "doença social" seria a tomada de consciência, tornar a classe mais crítica, e fazê-la perceber que apenas com junção de esforços e com a luta organizada se pode travar os objetivos contrários aos seus, fazendo com que a desordem empírica suma. De fato, aqui a desordem no plano das idéias, que quando desfeita desfaz a desordem no plano físico, não pode ser sanada apenas pelo "homem do povo", pelo mito que ele traz. O político que, sabendo disso, usa o mito apenas parar fins pessoais, não merece de nós a mesma admiração que o xamã faz por merecer. A eficácia simbólica do segundo, ainda que não lhe seja possivel compreende-la, cura. O politico é desonesto: oferece um mito inútil, ou útil apenas para si próprio, na medida em que ele alcança objetivos pessoais, o que pode ser chamado( eu, pelo menos, acho que pode...) de "eficácia política".
Até quando a "eficácia política" irá travar a luta pela "cura" para nosso povo? Até quando ela irá travar um processo que seja mais justamente comparado com a "eficácia simbólica"? Mais uma daquelas perguntas para qual não pretendo formular respostas....

sexta-feira, julho 07, 2006

Soneto


Largo em sentir, em respirar sucinto
Peno, e calo tão fino, e tão atento,
Que fazendo disfarce do tormento
Mostro, que o não padeço, e sei, que o sinto.

O mal, que fora encubro, ou que desminto,
Dentro do coração é, que o sustento,
Com que para penar é sentimento,
Para não se entender é labirinto.

Ninguém sufoca a voz nos seus retiros;
Da tempestade é o estrondo efeito:
Lá tem ecos a terra, o mar suspiros.

Mas oh do meu segredo alto conceito!
Pois não me chegam a vir à boca os tiros
Dos combates, que vão dentro do peito.



Gregório de Matos

segunda-feira, julho 03, 2006

Sobre mulheres e a economia mundial....

Tempos atrás ouvi alguém dizer: " sem as mulheres, o comércio mundial estaria acabado!". Não percebi a profundidade da frase logo de cara. Pensei ser mais uma daquela frases que se perpetuam apoiadas no rótulo de "sabedoria popular", mas que de sabedoria mesmo, tem muito pouco ou quase nada.
Porém, outro dia, resolvi assumir a velha postura observadora enquanto passava por visita forçada ao seio do consumo soterapolitano,o shopping Iguatemi. O são joaão se aproximava,e o shopping fervia. Não precisa ser um bom observador para perceber a diferença entre a quantidade de mulheres e de homens naquele ambiente, e naquele período. No coração da ebulição, a C&A, essa diferença era gritante. Foi ai que começou a ficar divertido. A sequência escolher, experimentar, pedir opinião, trocar, e por fim, comprar, sempre me pareceu penosa. Para todas as mulheres naquela loja, sem exceção, essa era a forma mais elementar e eficaz de diversão. Sim, as mulheres se divertem com a dúvida, com as milhares de opções para uma coisa tão simples como uma calcinha, enfim, adoram o mar de incentivos à beleza feminina e a possibilidade de paga-los em 8 parcelas "fixas". Elas amam comprar, mas não só por obter algo material. Amam o processo da compra! Essa é a particularidade. Homens também adoram obter coisas novas. Contudo, que esse processo seja o mais rápido e objetivo possivel, e meta de qualquer corpo carregado de testosterona. Tenho provas factuais para o que digo: a fila do provador feminimo tinha cinco a seis metros a mais que a do maculino; nelas havia mais funcionários trabalhando; me pareceu claro que esses funcionários eram instruidos a não dar NENHUM palpite. Acreditem, elas pediam palpite a qualquer um!
Os comerciantes tem a noção exata disso. A loja da C&A reserva o seu primeiro piso exclusivamente pros delírios femininos.Assim elas entram e vêem logo o seu objeto de desejo. Uma tática muito interessante. Além disso, vocês já viram revistas da Natura, Avon ou coisa que o valha? são quase que exclusivamente femininas. A parte masculina é essencialmente destinada a presentes. Porque as mulheres adoram escolher presentes, também.
É engraçado como elas andam em bando. Desafio o leitor a encontrar homens em bando, nos shoppings, comprando... Há também toda uma linguagem própria que fica longe do alcance de qualquer ser humano do gênero masculino, inclusive desse que vos fala. Porque cargas d'agua, as mulheres referem-se a algum produto que acharam bonito com o verbo estar? " Essa calça tá linda..." Porque não dizer " essa calça é linda?" coisa que não me esforço muito pra entender.Reconheço minhas limitações.
O que seria do comércio mundial sem essa aptidão feminina à compra? Elas, levadas por caracteristicas possivelmente genéticas, constróem verdadeiros impérios, como a C&A. E os constrói de forma laboriosa: não basta apenas o gosto pelo processo da compra, tem de haver o convecimento de maridos e namorados, a lábia pra conseguir descontos, a insistência em querer tal cor, tal tamanho, a reclamação revoltada quando se sente lesada... Viva às mulheres, motores da economia mundial!