sábado, março 15, 2008

Eu, proletário

"Impressionante, como é que eu posso não saber assobiar? Eu faço tudo corretamente. Coloco a língua em "U", sopro com força e... nada. Um ruidozinho ridículo. Eu ainda vou ter sérios problemas com isso, pois as vezes só se consegue chamar alguém com um assobio. Enfim..."

Esse tipo de pensamento é o que toma a mente de quem fica viajando quase duas horas de casa pro trabalho. Sim, meus caros, eu me proletariarizei (essa palavra existe?). Agora eu faço parte de um quadro de funcionários, com o cargo de Estagiário, ou seja, quase-humano. Mas isso não está em questão. O que importa é que eu levo quase duas horas no sistema de transporte das empresas do CIA, diariamente. Fico impressionado como é difícil pensar em algo mais profundo do que minha incapacidade de assobiar, durante esse tempo.

O que me leva a escrever este texto é um pensamento que me tomou justamente na hora em que eu refletia sobre a metafisica do assobio: o comportamento dos funcionários do CIA é um fenômeno sociológico dos mais ricos. E eu vou explicar porque nas linhas seguintes.

Sabe, uma coisa que eu não admito é o preconceito alimentado dentro dos cursos de humanas mais "intelectualizados" em relação ao curso e aos alunos de Administração. Eles não distorcem fatos nem criam um "céu de brigadeiro" por lá. Nada disso. O que se ensina por lá é exatamente o mesmo que vemos em ciências sociais e história: o mercado de trabalho é extremamente competitivo, exige um profissional flexível, dinâmico, disposto a deixar de lado certos direitos trabalhistas para manter suas chances de crescimento dentro da empresa. Um profissional que precisa ser empreendedor, e saber trabalhar em equipe, de um lado, e guardar certa dose de técnica, do outro. Aquele trabalhador que passava 25 anos numa mesma empresa está morto e enterrado, etc, etc, etc. A grande diferença é que eles acham isso uma maravilha, a melhor coisa que se pode descobrir no mundo pós-moderno e tratam de entrar no clima, enquanto os intelectuais "de verdade" vão se lamentar nas mesas de bar.
Essa breve introdução acima serve apenas para ser negada. Sim, o objetivo desse texto é compartilhar com você, leitor, a minha descoberta de que o proletariado descrito por Marx existe e, indo além, numa condição incrivelmente parecida com a de 120 anos atrás. Nada, nada daquilo que se diz sobre as novas exigências do mercado, o novo perfil profissional, ou, sendo mais são lazarino, a hegemonia do capital financeiro, pode ser vislumbrado quando se observa a fila de trabalhadores esperando a condução para ir pra casa, no sistema de transporte do CIA. São operários. Todo iguais, sacolinha na mão, bocejos prolongados. São todos proletários...
Não sei acontece com você também, caro leitor, mas quando eu ouço a palavra "proletário" sempre me vem à mente a imagem de uma fila de operários esperando o pagamento diário, na porta de uma fábrica qualquer do inicio do século passado, com aquelas roupas de novela de época, tudo isso acompanhado da constatação de que aquilo é uma imagem "de museu"... Tirando os aspectos visuais da fábrica e das roupas antigas, posso dizer que vi e continuo vendo a mesma cena todos os dias, por lá.
Quando se leva um susto desses, logo vêem à mente as explicações possíveis. As duas que encontrei são as mais óbvias: ou era tudo mentira, a coisa continua muito escrota como sempre foi, o capital "violentando" (prática politicamente correta, suprimir o termo "fudendo" para não parecer escroto demais, apesar de considerá-lo mais apropriado) a todos, e uma máscara ideológica nas leis de mercado nos faz pensar que a coisa está mudando; ou, de fato, aquilo ali é uma sobrevivência, algo que resistiu e resiste aos fortes impulsos de mudança vindos dos grandes centros de desenvolvimento capitalista.
Não sei no que acreditar. O ônibus balança muito, de forma que é mais confortável tentar dormir pensando em como vou fazer para aprender a assobiar. Assim fica mais fácil ser um proletário feliz. Se vocês quiserem me ajudar a entender o fenômeno, por favor, a caixa de comentários está logo aqui, abaixo, e é livre.

8 comentários:

i.s. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
trevor disse...

É caro Antônio, realmente não saber assobiar é meio esquisito... isso se vc se refere àquele assobio baixinho de qdo vc quer acompanhar uma musica q vc não sabe a letra mas conhece bem a melodia.Mas por outro lado, no dia que você aprender, e querer curtir assobiar durante sua viagem terá de encarar os olhares tortos das pessoas que pensam que você é louco simplesmente porque você assobia, é meu caro amigo, eu deixei essa prática de assobiar acompanhando a musica no meu mp3 durante a viagem na minha vida proletária pois se sentir louco nesse mundo louco não é bem o que quero. Tive que aprender as letras pra cantar tranquilamente durante minhas também duas horas dentro da topic... Até agora ninguém nunca me olhou torto.

Roberto Dantas disse...

Assobiar seria uma externação de uma abstração momentânea, complexo isso, mas talvez concorde que assobiar seja complexo tanto quanto. Caro amigo, esse trauma vc não compartilha sozinho consigo emitir um ruído próximo do assobio mas não o assobio em si. Quer ver judiação? Explica pra uma criança com se assobia ou como deve ser um, e se surpreenda com o fato de que talvez com a sua explicação essa criança aprenda a assobiar sem muito esforço enquanto você, que neste momento vive o papel de mentor a ainda não aprendeu a sua ciência apenas a conhece.

Abraço,

Roberto Dantas

Anônimo disse...

Caro amigo, todos nós nascemos proletários, afinal, nossos antecedentes os eram e, infelismente, nossos filhos serão.. é a máquina, não tem jeito! rsrsrrs
olha,assobiar demais deixa o
"m a r x i l á" doendo e marcas de expressão no rosto!

Te adoro - Tássia

Anônimo disse...

Quem não sabe assobiar; é fácil de aprender.

Nunca ouviu essa música?

Legal seu post sobre assobio. Devia escrever mais sobre o tema.

Eu li uma tese de doutorado muito boa, sobre a importãncia do assobio para a socialização contemporânea e a formação da identidade da dona de casa, que assobia enquanto cozinha.

i.s. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Antonio Rimaci disse...

não é complicado quando a gente n entende mais o bloco de comentáios do nosso próprio blog?

deveriam escrever uma tese sobre os tempos pós-modernos, onde os blogs tem um conteúdo tão diversificado e multicultural que nem o proprio autor entende completamente...

Anônimo disse...

queremos mais textossssss !! bjuss
Tássia