sexta-feira, setembro 11, 2009

"Todo enfiado" em nossas cabeças...

Nas ultimas semanas, um único assunto permeou certamente todas as conversas entre os soteropolitanos: a saga da Miss “Todo Enfiado”, mais uma entre as histórias de vídeos que, para infelicidade de seus protagonistas, ganharam a grande rede e viraram motivo de chacota nas rodas de amigos e notícia nos telejornais. Decerto que o assunto é por si polêmico, e que a desgraça alheia diverte, mas o que mais me incomoda em tudo isso são as interpretações dadas ao caso. Todas elas me parecem (me refiro apenas as que eu pude ouvir) rasas e precipitadas. Não falo apenas do povão, que sempre acha graça de tudo e transforma suas próprias desgraças em motivos de boas risadas, como estratégia de sobrevivência. Interpretações dadas por pessoas “estudadas” também me parecem extremamente infelizes. Vejamos.

A reação da sociedade é, em geral, extremamente machista. Uma mulher que se expõe ao ápice da conotação sexual de uma dança é - tão logo isso se torna público, posto que ninguém vá chamar de puta aquela que dança batendo coxa com você no forró, apesar da conotação sexual existir nos dois casos - taxada de “puta, piriguete, vagabunda,  merece se fuder mermo na moral”, expressão dita de uma só vez, como se fosse uma única palavra.

A conotação sexual da dança existe desde que dança é dança. A mulher é guardiã da sensualidade desde que surgiu a primeira saia, e com ela a primeira cruzada de pernas. Mas quando a sensualidade feminina se torna pública (ainda que nem sempre na forma extremada e reduzida praticamente ao órgão genital,como no caso que estamos tratando aqui) a moralidade vem à tona, e a crucificação da infeliz é inevitável. Seria um fenômeno social perfeitamente aceitável se valesse para todo mundo: algum homem que ficou “de sunga” nos velhos tempos dos ensaios da banda de mesmo nome, realizados nos mesmos porões do pagode regional, foi acusado de “pirigueto, vagabundo, ordinário”? Não, todo mundo (inclusive mulheres) achava massa. Ou melhor, as mesmas expressões, quando usadas no masculino, se tornam elogios. Maravilhas do nosso universo machista.
Minha dica pra galera que pensa assim é: Vamos deixar de hipocrisia, de justificar as coisas com esse pensamento machista retrógado, e tentar entender porque tanta gente age dessa forma, homens e mulheres. Porque sexualidade está tão banalizada? A coisa é muito mais profunda...

Aliás, por achar que a sexualidade está extremamente banalizada, é que discordo de pessoas que dizem que subir no palco e mostrar a profundidade em que está enfiada sua calcinha está certo mesmo, que a mulher tem se percebido como dona de seu corpo e de seus prazeres, e que esse tipo de atitude reflete um “empoderamento” feminino. Discordo. Aliás, não discordaria, se a coisa fosse assim mesmo. Se todas as mulheres que subissem naquele palco pensassem dessa forma, entendessem e cultivassem o prazer que sentem em se exibir e fossem felizes com isso, eu concordaria, e mais, diria que estamos mais próximos de um mundo perfeito. Contudo, as pessoas ali não resignificam nada. Todo mundo é permeado pelas mesmas sanções morais que fazem o conjunto da sociedade, em momento posterior, condenar essas mulheres.
A banalização do sexo faz parte de uma coisa maior, a banalização da própria vida. As pessoas de baixa renda, essencialmente as mais novas, não valorizam mais nada. Não há perspectivas, não há como se ter a vida que eles vêem nas novelas, então vamos “cair de boca e fazer a putaria”. Esse é o pensamento que se vê entre jovens de escolas públicas, pessoas de baixa renda que acredito serem o público alvo daquele tipo de espetáculo. Pior: a estratégia de chocar é provavelmente a única chance que aquelas pessoas têm de alcançarem seus poucos minutos de fama. Não há nada de moderno e emancipatório nisso. É só mais uma faceta da pobreza: a de espírito.

Vocês devem estar se perguntando: “mas a personagem era uma professora, empregada”. Bom, eu realmente acredito que ela acabou entrando no clima excedendo os limites que pretendia.  Não podemos perder de vista que aquilo é feito ( ou foi) todas as semanas, e nunca deve ter faltado mulheres, que certamente não estão na mesma condição social dela. Bom, pelo menos ela proporcionou essa reflexão. Que a Miss “Todo Enfiado” aproveite seus minutos de fama, mas que a história mude. Que a putaria seja eterna, mas que as motivações sejam as que os meus amigos esclarecidos imaginam. Amém.

p.s.: Texto escrito originalmente para os amigos deste blog.

5 comentários:

Kelly Fontoura disse...

Antigamente


Carlos Drummond de Andrade



ANTIGAMENTE, as moças chamavam-se mademoiselles e eram todas mimosas e muito prendadas. Não faziam anos: completavam primaveras, em geral dezoito. Os janotas, mesmo não sendo rapagões, faziam-lhes pé-de-alferes, arrastando a asa, mas ficavam longos meses debaixo do balaio. E se levavam tábua, o remédio era tirar o cavalo da chuva e ir pregar em outra freguesia. As pessoas, quando corriam, antigamente, era para tirar o pai da forca e não caíam de cavalo magro. Algumas jogavam verde para colher maduro, e sabiam com quantos paus se faz uma canoa. O que não impedia que, nesse entrementes, esse ou aquele embarcasse em canoa furada. Encontravam alguém que lhes passasse a manta e azulava, dando às de vila-diogo. Os mais idosos, depois da janta, faziam o quilo, saindo para tomar fresca; e também tomavam cautela de não apanhar sereno. Os mais jovens, esses iam ao animatógrafo, e mais tarde ao cinematógrafo, chupando balas de altéia. Ou sonhavam em andar de aeroplano; os quais, de pouco siso, se metiam em camisa de onze varas, e até em calças pardas; não admira que dessem com os burros n’água.

HAVIA OS QUE tomaram chá em criança, e, ao visitarem família da maior consideração, sabiam cuspir dentro da escarradeira. Se mandavam seus respeitos a alguém, o portador garantia-lhes: “Farei presente.” Outros, ao cruzarem com um sacerdote, tiravam o chapéu, exclamando: “Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo”, ao que o Reverendíssimo correspondia: “Para sempre seja louvado.” E os eruditos, se alguém espirrava — sinal de defluxo — eram impelidos a exortar: “Dominus tecum”. Embora sem saber da missa a metade, os presunçosos queriam ensinar padre-nosso ao vigário, e com isso metiam a mão em cumbuca. Era natural que com eles se perdesse a tramontana. A pessoa cheia de melindres ficava sentida com a desfeita que lhe faziam, quando, por exemplo, insinuavam que seu filho era artioso. Verdade seja que às vezes os meninos eram mesmo encapetados; chegavam a pitar escondido, atrás da igreja. As meninas, não: verdadeiros cromos, umas tetéias.

ANTIGAMENTE, certos tipos faziam negócios e ficavam a ver navios; outros eram pegados com a boca na botija, contavam tudo tintim por tintim e iam comer o pão que o diabo amassou, lá onde Judas perdeu as botas. Uns raros amarravam cachorro com lingüiça. E alguns ouviam cantar o galo, mas não sabiam onde. As famílias faziam sortimento na venda, tinham conta no carniceiro e arrematavam qualquer quitanda que passasse à porta, desde que o moleque do tabuleiro, quase sempre um cabrito, não tivesse catinga. Acolhiam com satisfação a visita do cometa, que, andando por ceca e meca, trazia novidades de baixo, ou seja, da Corte do Rio de Janeiro. Ele vinha dar dois dedos de prosa e deixar de presente ao dono da casa um canivete roscofe. As donzelas punham carmim e chegavam à sacada para vê-lo apear do macho faceiro. Infelizmente, alguns eram mais do que velhacos: eram grandessíssimos tratantes.

ACONTECIA o indivíduo apanhar constipação; ficando perrengue, mandava o próprio chamar o doutor e, depois, ir à botica para aviar a receita, de cápsulas ou pílulas fedorentas. Doença nefasta era a phtysica, feia era o gálico. Antigamente, os sobrados tinham assombrações, os meninos lombrigas, asthma os gatos, os homens portavam ceroulas, botinas e capa-de-goma, a casimira tinha de ser superior e mesmo X.P.T.O. London, não havia fotógrafos, mas retratistas, e os cristãos não morriam: descansavam.

MAS TUDO ISSO era antigamente, isto é, outrora.

Antonio Rimaci disse...

Que lindo! To realmente emocionado!

Kelly Fontoura disse...

kkkkkkkkkkkkkkk

Besta :P

Tiago Lorenzo disse...

Sacanagem! Você escreveu sobre isso e nem me disse! Passei um tempão discutindo sobre isso e agora estou tentado a discutir novamente!
Vou tentar não aprofundar.

1. Pra mim, não há problema em "banalização" do sexo. Tem mais é que ser banalizado mesmo, tornado comum. O que há de ruim é a visão que se tem do sexo, e pior, da visão que se tem das mulheres no sexo. E é exatamente essa minha visão que faz toda a diferença.

2."Que a putaria seja eterna, mas que as motivações sejam as que os meus amigos esclarecidos imaginam"

Nisso concordo plenamente. Que a mulher que suba lá no palco seja empoderada "por inteiro", e não só na especificidade do momento, e ainda assim, estigmatizada.
Mas aí a importância de se reconhecer verdadeiramente o inimigo, e não jogar o bebê fora com a água do banho.

Mas discordo quando diz que as pessoas ali não resignificam nada. E discordo demais!
Me parece bem claro como naquela ocasião a mulher está transformando a situação em fonte do próprio prazer. Só isso, já demonstra alguma coisa.
E isso, é em certa medida (localizada, limitada, e ainda estigmatizada) um empoderamento sim. Não suficiente, e não suficiente muito pelo que você falou. Não é um empoderamento reconhecido como tal. O discurso contra aquela mulher (que é o verdadeiro vilão da história, e não o fato de dançar sexualmente) é que deve ser então, combatido.

Uma mulher não é menos "empoderada" por dançar todo enfiado. Nem mais, necessariamente.

Mas é certo que uma mulher empoderada com certeza, poderá escolher a dançar todo enfiado, quando bem entendesse, sem ser demitida por isso.

Kelly Fontoura disse...

Tiago,

o que você está chamando de "empoderamento"?