Sabe, algo que sempre me incomodou é o fato de não ser um gênio. Já tive a oportunidade de dividir essa angústia com vocês neste blog. Contudo, pensava eu, ainda sou bastante jovem e, provavelmente, o despertar da genialidade é algo que vem com a maturidade, no amadurecimento do talento. Ledo engano. Se você, como eu, está prestes a completar um quarto de século ou o tem completado recentemente, cuidado. Esse texto pode levar a depressão.
Chico Buarque de Holanda venceu o festival de Música Popular Brasileira em 1966, com a música “A Banda”, que ele escrevera em 1965, então com 21 anos. Também aos 21 anos, Picasso já havia se instalado em Paris e começava a ganhar fama, apresentando ao mundo uma nova forma de fazer arte. Aos 20 anos, em 1924, Pablo Neruda publicava seu primeiro livro, Vinte poemas de amor e uma canção desesperada. Em 1927, então com 23 anos, Neruda é nomeado cônsul (gracias, Wikipédia!). Em 1958, com 17 anos completados, Pelé ganhava a Copa do Mundo e encantava os expectadores europeus com lampejos da genialidade futebolística jamais superada nos campos de todo o mundo, até os dias de hoje.
Há inúmeros outros exemplos. E eles só me fazem pensar que, se eu tivesse mesmo de ser um gênio, já estaria sendo. Conformo-me: tenho 25 anos e não sou um gênio. Terei de ganhar a vida com muito suor e pouco reconhecimento. Quase nenhum status. Nada de glamour.
Até ai, nenhuma novidade. A imensa maioria de habitantes do planeta Terra são pessoas comuns. João’s Quaisquer. São vidas cinzas. Casa, trabalho, trânsito, uma ou outra cerveja no fim de semana, ver o time perder ou ganhar no domingo... Uma emoção bônus num caso extraconjugal é o clímax de uma vida cinza. Uma ou outra infelicidade, um sofrimento fortuito, afinal, porque ser feliz o tempo todo deve ser um saco. Eis o resumo de nossas vidas cinzas e eu estou preparado para o começo do fim.
Todavia, é preciso revelar, sinto um bichinho me corroendo por dentro ao conceber uma vida cinza e feliz. Não sei explicar por que. Mas acredito que isso tenha a ver com o fato de eu ter vivido dias muito mais coloridos, no passado recente. Vivi alguns anos em meio a discussões teóricas, bons shows gratuitos regados a excelente vinho barato, movimentação política interessante, e amplo acesso a cultura, de um modo geral. É estranho perceber que, durante esse tempo, ao qual eu não dei o devido valor por pensar que ele se prolongaria e se tornaria mais prazeroso quando eu dispusesse de recursos financeiros para tornar esses momentos mais sofisticados, a vida parecia apresentar milhões (eu disse milhões) de possibilidades, cores, tons e caminhos a seguir, todos eles interessantes, cheios de arte, cultura e prazer, regados a muito vinho, boa música e, obviamente, luxúria.
Chegou o momento em que precisei me afastar dessas coisas para chegar a outras. Optei pela vida cinza e feliz. Quase não bebo mais vinho. Não lembro a ultima vez em que discuti alguma teoria ou obra literária. E, o pior, as possibilidades que a vida me apresenta são reduzidas. Boas, seguras, mas sem a arte, o prazer e a boemia que outrora saltitavam em minha frente.
Não quero só lamentar, como um velho. Afinal, só tenho 25 anos. Tudo pode mudar, e ainda tenho muitas opções. Mas o bichinho incomoda. Sinto vontade de aumentar os lampejos coloridos dessa minha atual vida cinza. Isso é possível: quando passo pelo Rio Vermelho, assisto a um bom filme, vou ao teatro, enfim, quando deixo que, por alguns poucos instantes, a vida excêntrica de artistas e gênios seja reproduzida em meu viver, geralmente muito pouco artístico e sem nenhuma genialidade.
É de mais cores e tons que todos nós precisamos. A vida cinza é tranqüila e feliz, mas é preciso um pouco da agonia, da falta de compromissos, dos exageros, e dos absurdos completos de uma vida excêntrica. Vamos todos nos permitir mais! Vamos alimentar os sentidos. Vamos ser mais “artistas”. Rabisquem as vidas cinzas de vocês com lápis de cera coloridos! E, claro, me convidem.