quarta-feira, maio 26, 2010

Lampejos vermelhos numa vida cinza

Sabe, algo que sempre me incomodou é o fato de não ser um gênio. Já tive a oportunidade de dividir essa angústia com vocês neste blog. Contudo, pensava eu, ainda sou bastante jovem e, provavelmente, o despertar da genialidade é algo que vem com a maturidade, no amadurecimento do talento. Ledo engano. Se você, como eu, está prestes a completar um quarto de século ou o tem completado recentemente, cuidado. Esse texto pode levar a depressão.

Chico Buarque de Holanda venceu o festival de Música Popular Brasileira em 1966, com a música “A Banda”, que ele escrevera em 1965, então com 21 anos. Também aos 21 anos, Picasso já havia se instalado em Paris e começava a ganhar fama, apresentando ao mundo uma nova forma de fazer arte. Aos 20 anos, em 1924, Pablo Neruda publicava seu primeiro livro, Vinte poemas de amor e uma canção desesperada. Em 1927, então com 23 anos, Neruda é nomeado cônsul (gracias, Wikipédia!). Em 1958, com 17 anos completados, Pelé ganhava a Copa do Mundo e encantava os expectadores europeus com lampejos da genialidade futebolística jamais superada nos campos de todo o mundo, até os dias de hoje.

Há inúmeros outros exemplos. E eles só me fazem pensar que, se eu tivesse mesmo de ser um gênio, já estaria sendo. Conformo-me: tenho 25 anos e não sou um gênio. Terei de ganhar a vida com muito suor e pouco reconhecimento. Quase nenhum status. Nada de glamour.

Até ai, nenhuma novidade. A imensa maioria de habitantes do planeta Terra são pessoas comuns. João’s Quaisquer. São vidas cinzas. Casa, trabalho, trânsito, uma ou outra cerveja no fim de semana, ver o time perder ou ganhar no domingo... Uma emoção bônus num caso extraconjugal é o clímax de uma vida cinza. Uma ou outra infelicidade, um sofrimento fortuito, afinal, porque ser feliz o tempo todo deve ser um saco. Eis o resumo de nossas vidas cinzas e eu estou preparado para o começo do fim.

Todavia, é preciso revelar, sinto um bichinho me corroendo por dentro ao conceber uma vida cinza e feliz. Não sei explicar por que. Mas acredito que isso tenha a ver com o fato de eu ter vivido dias muito mais coloridos, no passado recente. Vivi alguns anos em meio a discussões teóricas, bons shows gratuitos regados a excelente vinho barato, movimentação política interessante, e amplo acesso a cultura, de um modo geral. É estranho perceber que, durante esse tempo, ao qual eu não dei o devido valor por pensar que ele se prolongaria e se tornaria mais prazeroso quando eu dispusesse de recursos financeiros para tornar esses momentos mais sofisticados, a vida parecia apresentar milhões (eu disse milhões) de possibilidades, cores, tons e caminhos a seguir, todos eles interessantes, cheios de arte, cultura e prazer, regados a muito vinho, boa música e, obviamente, luxúria.

Chegou o momento em que precisei me afastar dessas coisas para chegar a outras. Optei pela vida cinza e feliz. Quase não bebo mais vinho. Não lembro a ultima vez em que discuti alguma teoria ou obra literária. E, o pior, as possibilidades que a vida me apresenta são reduzidas. Boas, seguras, mas sem a arte, o prazer e a boemia que outrora saltitavam em minha frente.

Não quero só lamentar, como um velho. Afinal, só tenho 25 anos. Tudo pode mudar, e ainda tenho muitas opções. Mas o bichinho incomoda. Sinto vontade de aumentar os lampejos coloridos dessa minha atual vida cinza. Isso é possível: quando passo pelo Rio Vermelho, assisto a um bom filme, vou ao teatro, enfim, quando deixo que, por alguns poucos instantes, a vida excêntrica de artistas e gênios seja reproduzida em meu viver, geralmente muito pouco artístico e sem nenhuma genialidade.

É de mais cores e tons que todos nós precisamos. A vida cinza é tranqüila e feliz, mas é preciso um pouco da agonia, da falta de compromissos, dos exageros, e dos absurdos completos de uma vida excêntrica. Vamos todos nos permitir mais! Vamos alimentar os sentidos. Vamos ser mais “artistas”. Rabisquem as vidas cinzas de vocês com lápis de cera coloridos! E, claro, me convidem.

8 comentários:

Kelly Fontoura disse...

Toinho,

já estava com saudades dos posts deste blog. Mais uma vez adorei seu post, muito bom mesmo, parabéns.

Acho que você não é um caso perdido de vida cinza aguda, até porque você consegue perceber que tem uma vida cinza e não está satisfeito com ela. Pior são as pessoas que fazem da vida cinza um fim em si mesmo. Sinceramente não consigo ver a graça de uma vida cinza e feliz, como costumo dizer, aquele tipo de vida que vemos nos comerciais de margarina. Afinal, uma vida colorida é muito mais interessante, o que seria de nossas vidas sem os vermelhos, roxos, azul, etc.....

Beijos

Unknown disse...

Adorei o "post". E aí, quando você vai perceber que é melhor ter uma via COLORIDA, com disse Kelly? hahahahahaha

Tiago Lorenzo disse...

Você não está ajudando em nada na minha depressão profunda.

Mas ainda assim, o post é ótimo.

:D

Fabi Viana disse...

Para que eu inventei de ler isto??? Cada dia que passa me convenço que a "felicidade está na ignorância"...
Mas o texto é maravilhoso e (irritantemente) sincero (ainda mais quando se acaba de completar 1/4 de século...)

Minha Vida Real disse...

Vou aproveitar os dois anos que me faltam! :)
Vou comprar uma caixinha de guache e colocar na bolsa... O bom é que cinza é neutro, combina com qualquer cor! Nem tudo está perdido!

Umeru disse...

Muito bom.

Visceralmente unicolor. Cinza... até tem sua beleza, esquisita claro, mas de fato é preciso dizer algo: que bom que existem os gênios, se não, nós homo non genios estaríamos perdidos, afinal de contas, como apreciaríamos a arte? que arte seria a de não gênios?

gostei demais do post, poste!!!!! rsrrsrs ainda estou me acostumando com estas palavras post..poste hihihihihihi

abraço Rimaci.

um rugido bicolor para ti

aderbal disse...

eu ainda tenho 23, meu velho. lamento por você.
















HAHAHAHAHAHAHA
texto excelente, antônio. acho que todo mundo sente um pouco disso (não necessariamente com 1/4 de século). acho que é um pouco do saudosismo inerente aos velhos e um pouco de desconforto porque nossa vida nunca é da forma exata que nós achavamos que ia ser a cinco anos atrás.

Anônimo disse...

gostei demais.
o dia de ontém/hoje pra mim foi nessa reflexão. engraçado chegar agora e ler exatamente tudo o que se passava em minha cabeça, principalmente, da saudade do vinho e do RV.
parabéns pelo texto..

ass: guiguh