quinta-feira, maio 26, 2011

Sobre diversidades

Agora não dá mais pra disfarçar. É impossível tentar esconder; e nem é mais tão necessário. Não é preciso entrar para o Seminário para inibir as vontades, muito menos arrumar um casamento de fachada. Ser gay nunca foi tão fácil no Brasil. É normal. É legal (nos dois sentidos). A fatia GLBT da sociedade brasileira é uma realidade. Não dá mais pra chamar de doença.
Em meio a noticias diárias que sentenciam a tendência descrita nas afirmações do parágrafo anterior, tenho sido questionado por amigos: “o que você acha disso?”. Eu tenho mesmo de achar alguma coisa. E tenho que escrever sobre isso. É o que eu faço, quase sempre por não ter outros meios de manifestação pública. Externar nossa opinião é uma forma muito eficiente de fazer política, essencialmente nessa sociedade “virtualizada”. Então, vamos lá.
Pra começar, tenho que dizer que sou hetero. Bastante hetero. Como diz uma amiga, sou “hetero com veemência”.  Não digo isso por medo de ser chamado de viadinho, mas pela necessidade de fazê-los entender, caros leitores, que a minha opinião sempre estará balizada por esta condição.  Ainda que eu acredite no exercício da relativização, e por mais progressistas que sejam meus posicionamentos, ser um não-gay me impede de opinar como um gay sobre suas perspectivas, visão de mundo, de direitos e deveres, suas bandeiras políticas... Essa é a graça da coisa: tentar enxergar e compreender algo que, se você não fizer força pra sair do seu mundinho de convenções sociais e tabus, não poderá entender nunca.
Eu tenho uma mania triste de não concordar com nenhuma das partes em discussões desse tipo. Aqui está mais um caso em que nada do que tenho ouvido me agrada completamente. Vamos começar falando dos conservadores. É incrível como a noção de democracia do povo brasileiro é deturpada, pobre, vazia, limitada apenas ao direito de voto. As pessoas não percebem a democracia como um Estado de “iguais”, um “ethos” que define a forma de gerir o Estado, de distribuir direitos e reparar danos históricos causados a determinados grupos. O regime democrático deve ter como ideal nos garantir direitos e preservar nossa liberdade, ainda que essas duas coisas não possam ser atingidas plenamente (ou, pelo menos, não por todos). A falta dessa percepção nas mentes das massas é flagrante e pôde ser contemplada em diversas discussões recentes, como a das cotas, dos sem-terra e, atualmente, do grupo GLBT (a parte boa é que hoje em dia essas discussões acontecem!).
A confusão entre o dever do Estado e as determinações de cada doutrina é comum. O que deveria perpassar as mentes evangélicas, numa democracia ideal, é que mesmo que a doutrina evangélica condene, a homoafetividade existe, envolve pessoas, relações sociais e, a parte que interessa ao Estado, cidadãos. Cabe ao Estado garantir condições de existência harmoniosa para todos os grupos, entre os quais homossexuais e evangélicos. Cabe aos conservadores a satisfação de ter onde manifestar sua opinião, e isso lhes é garantido desde sempre.
Aí é onde está a minha crítica ao grupo dos homoafetivos. Garantir seus direitos não pode significar aniquilar direitos alheios. Conquistar o direito de união civil não pode representar calar todas as vozes que são contra, principalmente se essa opinião contrária for sustentada em um alicerce religioso. A revolta descontrolada causada pelas vozes que se levantaram contra a união homoafetiva se configura como mais um exemplo de noção deturpada de democracia. Os progressistas se ofendem, mas carregam em seus discursos o mesmo tipo de lógica que considera o meu direito mais importante que o do outro. O direito a existência e livre manifestação dos grupos religiosos deve ser conservado com tanta convicção como o direito de pessoas do mesmo sexo unirem legalmente. O discurso religioso não é algo ultrapassado que deve ser extinto, é apenas um discurso diferente. Incrível, pois aceitar a diferença deveria ser muito simples para os progressistas, mas a realidade mostra que não é bem assim...
A equação é simples: que os grupos existam, se manifestem e se defendam, e que os direitos e radicalismos sejam gerenciados pelo Estado. Quem sabe, um dia, falar dessa necessidade seja desnecessário, e o que nos parece tipo ideal de democracia seja vivenciado na prática. Sonhar não custa nada.

2 comentários:

Juliana Mutti disse...

O ideal seria que todos buscassem compreender as situações cotidianas com essa imparcialidade - a imparcialidade possível, de quem tem os seus valores, mas reconhecem que os outros também os têm.
Ah! Adorei o "hetero com veemência".
Gostei muito do texto, Tonico.
Abraços!

Anônimo disse...

Muito bom!