Ando as voltas com um certo conceito, o qual me foi apresentado por uns amigos ratos. O mais interessante das discussões pós-modernas, ao meu ver, é a possibilidade de enxergar os fenômenos descritos ali na esquina de sua rua, ou na frente de sua tv. Não que as outras teorias sociais não sejam empiricamente observáveis, muito menos que seja o empiricamente observável um critério de avaliação da qualidade de uma dada teoria, mas confesso que tenho me divertido bastante ultimamente tentando ver como categorias pós-modernas são extremamente mais plausíveis para nossa sociedade que as categorias modernas. Enfim, vou encerrar essa parte chata, que é compreensível apenas para aqueles amigos ratos...
O conceito ao qual me referi é o de não-lugar. Ele me incomodou tanto, que acabei usando de fundos indisponíveis(rs) para comprar o livro "Não-Lugares: Introdução a uma antropologia da supermodernidade", de Marc Augé. Bom, vamos à definição do próprio Augé:
"Se um lugar pode se definir como identitário, relacional e histórico,um espaço que não pode se definir nem como identitário, nem como relacional, nem como histórico definirá um não-lugar." Ou, de forma poética:
"Hoje, não é nos locais superpopulosos, onde se cruzam, ignorando-se, milhares de itinerários individuais, que subsiste algo do encanto vago dos terrenos baldios e dos canteiros de obras, das estações e das salas de espera, onde passos se perdem, de todos os lugares de acaso e de encontro, onde se pode sentir de maneira fugidia a possibilidade mantida de aventura, o sentido de que só tem que "deixar acontecer"?"
O não-lugar é aquele onde o individuo supermoderno não precisa entender, conhecer ou relacionar. É o lugar efêmero, onde todos passam ao mesmo tempo,juntos e sozinhos, numa grande maré de individuos solitários. Você não precisa Ser no não lugar. Lá, você será apenas mais um na multidão, um que passa, que consome ou não, e que vai embora, sem interessar a ninguém de onde veio, e para onde vai. Nesse sentido, o não-lugar é, sobretudo, um enorme desafio à análise antropológica. Mas isso é assunto para um novo post. Eu queria dizer que, ontem, estava eu num desses não-lugares: a estação pirajá. Esse é o mais gritante não-lugar por onde tenho passado ultimamente. Lá eu chego, entro na fila, e pego meu ônibus. Poucas vezes olhei para o lado, por lá. Apenas lá me sinto tão só num lugar tão cheio de gente. Mas ontem, algo pertubou a ordem: um grupo de pagodeiros dançavam, cantavam e riam descontraidamente, na fila ao lado.
O curioso é que, num momento em que o não-lugar deixa de o ser para um grupo específico, ele deixa simultaneamente de o ser para todo o resto. Brotaram ali sentimentos de afinidade e repulsa: senhoras evangélicas reuniram na fila, para comentarem umas com as outras que o mundo está realmente acabando; mulheres jovens da fila, cochicaram umas com as outras, analisando os bumbuns dos caras; Outros, como eu, apenas riram da situação. O que se viu foi a criação de um novo ambiente, onde um grupo sentia-se perfeitamente situado num espaço onde poderia colocar para fora suas formas de expressão cultural, e nesse dado instante todo o não-lugar se transformou em algo novo, e portanto, num lugar. Ainda que seja sob a ótica das senhoras evangélicas, aquele lugar ganhou o sentido de não ser o apropriado para aquela manifestação. A partir do momento em que se atribui um sentido ao não-lugar, que não o de servir de passagem de átomos isolados e, mais ainda, quando esse sentido é compartilhado por outros, o não-lugar é significado, e transforma-se num lugar.
De certo, grande parte dessa transformação repentina pode ser atribuida ao fato de estarmos numa sociedade não totalmente pós-moderna, onde resquícios da pessoalidade provinciana permanecerá por um bom tempo. Contudo, creio firmemente que os não-lugares nunca o são completamente...A possibilidade de transformá-los em lugar está ao alcance, ainda que, como nesse caso, a coerção seja nada tácita. Quão menos fria, e menos triste, seria uma sociedade com cada vez menos não-lugares? me pus a pensar... Apesar de questionar profudamente a qualidade das rimas dos caras, e de entender muito pouco do que elas queriam dizer além das piadas sobre sexo, nunca me diverti tanto naquela estação, como ontem...
O conceito ao qual me referi é o de não-lugar. Ele me incomodou tanto, que acabei usando de fundos indisponíveis(rs) para comprar o livro "Não-Lugares: Introdução a uma antropologia da supermodernidade", de Marc Augé. Bom, vamos à definição do próprio Augé:
"Se um lugar pode se definir como identitário, relacional e histórico,um espaço que não pode se definir nem como identitário, nem como relacional, nem como histórico definirá um não-lugar." Ou, de forma poética:
"Hoje, não é nos locais superpopulosos, onde se cruzam, ignorando-se, milhares de itinerários individuais, que subsiste algo do encanto vago dos terrenos baldios e dos canteiros de obras, das estações e das salas de espera, onde passos se perdem, de todos os lugares de acaso e de encontro, onde se pode sentir de maneira fugidia a possibilidade mantida de aventura, o sentido de que só tem que "deixar acontecer"?"
O não-lugar é aquele onde o individuo supermoderno não precisa entender, conhecer ou relacionar. É o lugar efêmero, onde todos passam ao mesmo tempo,juntos e sozinhos, numa grande maré de individuos solitários. Você não precisa Ser no não lugar. Lá, você será apenas mais um na multidão, um que passa, que consome ou não, e que vai embora, sem interessar a ninguém de onde veio, e para onde vai. Nesse sentido, o não-lugar é, sobretudo, um enorme desafio à análise antropológica. Mas isso é assunto para um novo post. Eu queria dizer que, ontem, estava eu num desses não-lugares: a estação pirajá. Esse é o mais gritante não-lugar por onde tenho passado ultimamente. Lá eu chego, entro na fila, e pego meu ônibus. Poucas vezes olhei para o lado, por lá. Apenas lá me sinto tão só num lugar tão cheio de gente. Mas ontem, algo pertubou a ordem: um grupo de pagodeiros dançavam, cantavam e riam descontraidamente, na fila ao lado.
O curioso é que, num momento em que o não-lugar deixa de o ser para um grupo específico, ele deixa simultaneamente de o ser para todo o resto. Brotaram ali sentimentos de afinidade e repulsa: senhoras evangélicas reuniram na fila, para comentarem umas com as outras que o mundo está realmente acabando; mulheres jovens da fila, cochicaram umas com as outras, analisando os bumbuns dos caras; Outros, como eu, apenas riram da situação. O que se viu foi a criação de um novo ambiente, onde um grupo sentia-se perfeitamente situado num espaço onde poderia colocar para fora suas formas de expressão cultural, e nesse dado instante todo o não-lugar se transformou em algo novo, e portanto, num lugar. Ainda que seja sob a ótica das senhoras evangélicas, aquele lugar ganhou o sentido de não ser o apropriado para aquela manifestação. A partir do momento em que se atribui um sentido ao não-lugar, que não o de servir de passagem de átomos isolados e, mais ainda, quando esse sentido é compartilhado por outros, o não-lugar é significado, e transforma-se num lugar.
De certo, grande parte dessa transformação repentina pode ser atribuida ao fato de estarmos numa sociedade não totalmente pós-moderna, onde resquícios da pessoalidade provinciana permanecerá por um bom tempo. Contudo, creio firmemente que os não-lugares nunca o são completamente...A possibilidade de transformá-los em lugar está ao alcance, ainda que, como nesse caso, a coerção seja nada tácita. Quão menos fria, e menos triste, seria uma sociedade com cada vez menos não-lugares? me pus a pensar... Apesar de questionar profudamente a qualidade das rimas dos caras, e de entender muito pouco do que elas queriam dizer além das piadas sobre sexo, nunca me diverti tanto naquela estação, como ontem...