quinta-feira, setembro 20, 2007

O louco, Foucault e os corpos dóceis

Ontem eu vi um louco. Pobre, miserável, completamente esfarrapado, sujo e ferido. Restavam-lhe poucos dentes. No entanto, ele sorria, vigorosamente. Sorria de forma tão absurda, que eu poderia afirmar que este era louco apenas porque sorria... Nesse momento, me perguntei se as outras pessoas no ponto de ônibus teriam a enorme capacidade de percepção e compreensão da realidade objetiva que eu, praticamente o filósofo idealizado pro Platão, tinha. Grande foi a surpresa quando vi um garoto, que passava de mãos dadas com a mãe, dizer: "olha mamãe, o maluco!". A lógica me levou a duas opções: ou toda a sociedade pós-moderna ocidental é formada de filósofos, ou qualquer individuo levemente socializado saca, de cara, quando alguém é "maluco". Mas, oh dúvida cruel, como isso é possível?
Os psicólogos e psiquiátras são os individuos autorizados, pelo contrato social, a definir quem é doido e, sobretudo, a explicar a loucura. Mas assim como não temos seis bilhões de filósofos, também não somos uma sociedade formada de psicólogos, o que me leva a crer que a fórmula para identificar um louco está nas convenções sociais, ou no seu cumprimento. Portanto, se você quer entender a loucura, estude Sociologia.
A lógica do raciocínio que me leva a tal afirmação é altamente questionável, mas isso não me importa aqui. Eu quero é falar de uma certa coisa e já se vai uma página inteira, então, serei mais objetivo.Foucault, teórico surpreendentemente novo pra mim, resolveu a questão há quase 50 anos, e eu só vim descobrir agora.
O comportamento desviante e o significado que lhe damos podem ser entendidos sob a perspectiva da docilização dos corpos, o que não significa, de maneira alguma, que estou me referindo aos corpos caramelados do sol de verão. Foucault descreve de maneira brilhante como as sociedades humanas (essencialmente a ocidental) passaram por um processo de disciplinarização dos individuos, pela imposição de um poder ( que não emana de um centro ou classe específica) sob os corpos e as almas. Primeiro, aos militares, para otimizar a guerra; depois, aos operários, para produzir melhor; e por último, aos estudantes, para "educa-los" melhor. Transformaram-se, assim, os corpos em entes dóceis, disciplinados, limitados por esse poder "microfísico", que restringe significativamente o campo de ações e comportamentos possíveis.
Nos dias de hoje, onde sentimos com a máxima intensidade as consequências da modernidade, vive-se o ápice da biologização do comportamento, ou o poder do saber sobre os corpos. Tudo que foge dos comportamentos indicados pela "ciência" cai na ridicularização. Seguimos os padrões: corte gorduras trans, não fume, não beba, dê vinte voltas no dique, e você será uma pessoa mais feliz... E o mais cruel disso tudo é que a vigilância é de cada individuo, no dia a dia. O poder microfísico tem em cada individuo um soldado. É aquele cara que te chama de burro, imbecil, porque você odeia salada...
O desviante é livre. Suporta o peso da ridicularização, mas não se adequa ao comportamento dócil. Os loucos, e portanto indóceis, são as únicas pessoas livres de nossa sociedade. deve ser por isso que eles riem de nossas caras...

4 comentários:

i.s. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

amei este... tua cara!!!!

erika disse...

Que sejamos todos loucos estâo...
Se pela loucura encontrarmos a emancipaçâo

Anônimo disse...

Texto genial! Parabens!
(Acabo de "Favoritar" o site por causa dele)