quinta-feira, julho 10, 2008

Eu, a dengue e a razão da morte

Tá bom, eu confesso que prometi a mim mesmo - e a alguns amigos - que não começaria novamente um texto fazendo uma confissão íntima e boba. Mas ao começar a refletir sobre o assunto que me leva a escrever tal texto após quase 3 meses de ausência, não consegui deixar de pensar nisso: eu morro de medo de morrer de dengue. Imagine que você nasceu numa familia feliz. Seus pais lhe criaram com todo cuidado e atenção que podiam, você foi bem alimentado e educado, cresceu e se tornou um "jovem de futuro". E de repente você morre virando mais um número na estatística do Jornal Nacional. É mais do que trágico. É um fim ridículo. A morte deve ser pelo menos impactante, emblemática, inesquecível. Mais inexpressivo que morrer numa epidemia, só morrendo engasgado.

Quando fui obrigado a pensar na morte - por condições que me foram impostas ao longo desse ano - me senti impotente, como seria óbvio supor. Mais que isso: senti que estou (estamos, todos nós) perdendo tempo. Pra que correr tanto, estudar tanto, seguir com tanta fidelidade regras e convenções se um mosquito insginificante pode fazer com que todo esse conjunto de coisas que resumem a sua existência se transformem em mais um número na estatística da dengue, ou da febre amarela? O mais correto seria levar "la vida loca", sem rumo, sem lenço e sem documento.

O argumento se desmancha, se tranforma em frangalhos, e se reconstrói, quando se usa (por força das circunstâncias) o artifício de voltar a escrever um texto incompleto após alguns dias. Voltando agora a pensar no que escrevi acima, vejo a questão por outro ângulo: por que diabos as pessoas não levam "la vida loca" se sabem que vão morrer? Eu mesmo respondo: Porque se levarem (todas) a vida adoidada não terão a garantia de que essa mesma vida poderá durar o máximo de tempo possível. A garantia de que viveremos o máximo de tempo possível, desde que uma fatalidade como um mosquito ou um pedaço de pão não nos leve a óbito, é a fuga do caos. Vejam a conclusão magnífica que acaba de cair no meu colo: a vida social, burocrática e estável, só existe porque o homem morre.

Se Deus existe, sua invenção mais admirável foi a morte. Imaginem uma sociedade em que os homens sabem ou desconfiam que não vão morrer. Eles estudariam? Talvez, pra sustentar o orgulho. Eles produziriam? Talvez, para melhorar a qualidade do que se veste e se come. O detalhe está na condição do "talvez": isso significa que um quinhão assustador dos homens usaria a prerrogativa desse "talvez" pra não fazer coisa alguma, esperando que outros o fizessem. O mundo seria um grande brega. A vida seria mais ou menos confortável, mas seria até sempre.

Nós, sabedores que somos de nosso fim, resolvemos, em algum ponto da história, deixar de lado o potencial "não fazer", para perder grande parte do tempo que temos para curtir a vida adoidado construindo uma base sólida em que se possa apoiar a sobrevivência até o fim inevitável: buuum! surgiu a sociedade.

Perceber essa contradição é intrigante. Temos um comportamento aparentemente contraditório ao que deveríamos ter - correndo o tempo todo e na maior parte do tempo fazendo coisas que não nos dão a medida esperada de prazer - já que todos iremos parar a sete palmos do chão. No entanto, o que nos leva a agir assim é justamente essa certeza da morte. Deus foi o mais racional dos seres, desde o início.

Me lembrei de Hobbes: os homens se juntam por medo. Digo mais, Deus é hobbesiano, ou Hobbes entendeu Deus antes de todo mundo. Aproveito pra confessar que eu também sou hobessiano! Agora vamos todos voltar a realidade. Alimentem o Leviatã.

3 comentários:

Tiago Lorenzo disse...

Leia "As intermitências da morte" de Saramago.

i.s. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Antonio Rimaci disse...

Minha querida,

Eu concordo com tudo que você disse. Sem duvida a categoria angustia é importante para explicar mtos aspectos do comportamento humano. O foco no medo, no entanto, foi proposital. Realemente me surpreendi ao perceber que o medo que eu sentia não era assim tão ridiculo. rs

obrigado pela leitura atenta ao texto!

bjos!