Tá bom, eu confesso que prometi a mim mesmo - e a alguns amigos - que não começaria novamente um texto fazendo uma confissão íntima e boba. Mas ao começar a refletir sobre o assunto que me leva a escrever tal texto após quase 3 meses de ausência, não consegui deixar de pensar nisso: eu morro de medo de morrer de dengue. Imagine que você nasceu numa familia feliz. Seus pais lhe criaram com todo cuidado e atenção que podiam, você foi bem alimentado e educado, cresceu e se tornou um "jovem de futuro". E de repente você morre virando mais um número na estatística do Jornal Nacional. É mais do que trágico. É um fim ridículo. A morte deve ser pelo menos impactante, emblemática, inesquecível. Mais inexpressivo que morrer numa epidemia, só morrendo engasgado.
Quando fui obrigado a pensar na morte - por condições que me foram impostas ao longo desse ano - me senti impotente, como seria óbvio supor. Mais que isso: senti que estou (estamos, todos nós) perdendo tempo. Pra que correr tanto, estudar tanto, seguir com tanta fidelidade regras e convenções se um mosquito insginificante pode fazer com que todo esse conjunto de coisas que resumem a sua existência se transformem em mais um número na estatística da dengue, ou da febre amarela? O mais correto seria levar "la vida loca", sem rumo, sem lenço e sem documento.
O argumento se desmancha, se tranforma em frangalhos, e se reconstrói, quando se usa (por força das circunstâncias) o artifício de voltar a escrever um texto incompleto após alguns dias. Voltando agora a pensar no que escrevi acima, vejo a questão por outro ângulo: por que diabos as pessoas não levam "la vida loca" se sabem que vão morrer? Eu mesmo respondo: Porque se levarem (todas) a vida adoidada não terão a garantia de que essa mesma vida poderá durar o máximo de tempo possível. A garantia de que viveremos o máximo de tempo possível, desde que uma fatalidade como um mosquito ou um pedaço de pão não nos leve a óbito, é a fuga do caos. Vejam a conclusão magnífica que acaba de cair no meu colo: a vida social, burocrática e estável, só existe porque o homem morre.
Se Deus existe, sua invenção mais admirável foi a morte. Imaginem uma sociedade em que os homens sabem ou desconfiam que não vão morrer. Eles estudariam? Talvez, pra sustentar o orgulho. Eles produziriam? Talvez, para melhorar a qualidade do que se veste e se come. O detalhe está na condição do "talvez": isso significa que um quinhão assustador dos homens usaria a prerrogativa desse "talvez" pra não fazer coisa alguma, esperando que outros o fizessem. O mundo seria um grande brega. A vida seria mais ou menos confortável, mas seria até sempre.
Nós, sabedores que somos de nosso fim, resolvemos, em algum ponto da história, deixar de lado o potencial "não fazer", para perder grande parte do tempo que temos para curtir a vida adoidado construindo uma base sólida em que se possa apoiar a sobrevivência até o fim inevitável: buuum! surgiu a sociedade.
Perceber essa contradição é intrigante. Temos um comportamento aparentemente contraditório ao que deveríamos ter - correndo o tempo todo e na maior parte do tempo fazendo coisas que não nos dão a medida esperada de prazer - já que todos iremos parar a sete palmos do chão. No entanto, o que nos leva a agir assim é justamente essa certeza da morte. Deus foi o mais racional dos seres, desde o início.
Me lembrei de Hobbes: os homens se juntam por medo. Digo mais, Deus é hobbesiano, ou Hobbes entendeu Deus antes de todo mundo. Aproveito pra confessar que eu também sou hobessiano! Agora vamos todos voltar a realidade. Alimentem o Leviatã.
3 comentários:
Leia "As intermitências da morte" de Saramago.
Minha querida,
Eu concordo com tudo que você disse. Sem duvida a categoria angustia é importante para explicar mtos aspectos do comportamento humano. O foco no medo, no entanto, foi proposital. Realemente me surpreendi ao perceber que o medo que eu sentia não era assim tão ridiculo. rs
obrigado pela leitura atenta ao texto!
bjos!
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