sexta-feira, janeiro 29, 2010

Domingo a domingo

Ele acorda as 06h05min da manhã. Cinco minutos atrasado, calculando-se o tempo que precisa para tomar banho, engolir alguma coisa e pegar um ônibus até o trabalho. Acontece que esses cinco minutos a mais de sono são necessários para que ele durma ao menos quatro horas por dia, como recomendou o médico, alertando que era imprescindível caso ele queira passar dos 35 anos, levando-se em conta que ele chega normalmente as 23h00min e fica preso as atividades domésticas, acadêmicas e amorosas até mais ou menos duas da manhã. Mais precisamente, 2h04min da manhã. Não há outro espaço de tempo disponível para esses aspectos que, havia sentenciado o mesmo médico, são importantes para uma vida saudável. O minuto que sobra para que se completem quatro horas de sono é a faixa de erro. Na verdade, ele dorme 4h +/- 01 min. Então ele sai, após engolir algo (com o que ele gasta cerca de 30 segundos até se certificar de que seja comestível) e tomar um banho razoavelmente eficiente. Sai exatamente às 6h43min. As pessoas que moram com ele (aquilo que se chamava família, quando as pessoas tinham tempo de se falar e trocar vivências sobre o dia) ainda dormem quando ele sai. Normalmente, usa um SMS para dar bom dia a sua mãe, e o escreve com admirável destreza considerando os sacolejos que o ônibus oferece.
Chega ao trabalho as 08h00min, quando o engarrafamento não foge do padrão. Inicia-se então o hiato que se configura durante as oito horas de trabalho. Ele já pensara, algumas vezes, em como é completamente alienante passar oito horas fazendo algo que não demanda nenhum pensamento. É possível passar oito horas sem pensar em nada. Sentado, produzindo urina e apertando botões. Isso incomoda ele por cerca de 18 minutos por dia. Normalmente próximo ao horário de almoço. Depois ele sente fome e esquece-se de pensar em como é ruim não pensar em nada.
Sai do trabalho as 17h00min. O seu médico recomendou que fizesse alguma atividade física. Ele preferiria correr, ou nadar, mas para uma ou outra precisaria de mais de 60 minutos. E ele só dispunha de 60 minutos. Então ele deixou essa recomendação pra lá. Sua vó falara certa vez que quem segue tudo que o médico manda acaba mais cedo num caixão. Ele acreditava nisso, afinal, sua vó tinha larga experiência no quesito sobrevivência.
Chega a faculdade as 17h30min. Tem 30 minutos de folga. Desses, usa 13 minutos para comer algo (aqui não perde os trinta segundos que precisaria para verificar se aquilo é comestível, já que vai a uma lanchonete). Os outros 17 utiliza para conversar com os colegas e rir. Felicidade também é recomendação médica.
As próximas quatro horas são de aulas. Quase nunca ele as dá a devida atenção. Quase sempre está cansado. Sai da faculdade as 22h05min. Chega em casa as 23h00min. E o ciclo se repete. Ele não lembra muito bem da feição dos amigos, mas sabe exatamente qual a foto atual deles no MSN. Ou no Orkut. O momento de lazer que se dá das 23 as 2 da manhã é eminentemente virtual. Como o bom dia a sua mãe.
Sua mulher reclama da falta de atenção. De que ele não lê seus emails nem comenta seus textos. Ela vai trair. Se não já traiu. Ele sabe. Pensou em mandar um SMS pedindo desculpas, mas já fizeram isso outras vezes. Pensou em mandar um email. Em seguida, pensou que escrever sobre isso teria um impacto maior. Tirou exatamente 10 minutos dos 18 que utiliza diariamente para se incomodar por não pensar em nada durante oito horas por dia, e escreveu esse texto. Ele espera que funcione.

Um comentário:

Anônimo disse...

Oi Toinho...
admiro demais seu talento.
Este dom que é executado por suas belas mãos me encanta!

Um beijo de quem pode não parecer, mas lhe tem na mais alta conta :)