sexta-feira, fevereiro 26, 2010

Adeus ao Baço


Vim pra te ver. Pra te festejar. E dizer adeus.
Eu já não sinto dor. Nem prazer. E me faz mais falta a dor... Pouco importa agora. Deixei tuas coisas na área de serviço. Continuas belo, canalha e gentil. Tua feição docemente safada lhe renderá frutos por muito tempo. E eu ainda odeio isso. Só isso. O resto, tua carne em outra carne, teus belos argumentos em outros ouvidos, os carinhos fugazes... É agora arquivo morto. Parte de mim foi extraída. E eu sobrevivo sem ela. Teu novo nome é baço. Ou amígdala. Mas eu prefiro baço.
Não esqueçamos, meu caro, não me deixes esquecer, rogo-te, dos festejos. Disse que vim te festejar. E é verdade. Parabéns, afinal. Conseguistes, com muito esforço, o que tanto planejamos. Pisaste em alguns para tal, obviamente, senão que tipo de canalha tu serias? Mas, diziam os sábios enquanto estavam vivos, o que seria dos meios sem os fins? Eles, os fins. Eles sim importam. Parabéns, afinal!
Não te preocupes comigo. Já na próxima esquina me ajeito. No próximo mês, já sofro. A calmaria angustiante nunca durou muito tempo. A paz dos que não amam é a verdadeira morte. Não quero morrer agora. E amando outro, te incomodo. Ficarei feliz em saber que o rosto doce ganhará rugas ao saber de minha carne em outra carne. És homem, além de baço. Sente-se parte de meu corpo, mesmo já tendo sido extraído dele. Espero, sinceramente, que sofras por isso.
Bons momentos? Eles são sempre os de agora. Não há tato nas lembranças. E eu, meu caro, sou adepta do tato. Quero tatear o mundo. E sua vez já passou. És agora um órgão arredondado, morno, sem graça. Não te tateio mais, querido baço, nem que peças.
És feliz, querido baço, és feliz. Isso é o que importa. Mas não circula por ti mais sangue. Ficarás podre. Aproveita. Logo um verme comerá tua carne. E será o fim. O fim.

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