sexta-feira, setembro 03, 2010

Eu, um monstro

Outro dia eu estava sem ter muito que fazer aqui no trabalho e resolvi dar uma circulada por esses blogs de humor. Eles não acrescentam muito a sua bagagem cultural, mas quase sempre arrancam risos necessários. Deparei-me com um texto simples, bonito e que mudou a minha vida.
Como pude ignorar esse fato por tanto tempo? Lembro como se fosse hoje. Eu devia ter uns doze ou treze anos. Ela não era a primeira, longe disso, provavelmente a terceira ou quarta menina que eu havia decidido amar por toda a vida, do alto de minha pré-adolescência. Era a coisa mais linda que eu já tinha visto: um sorriso largo e tranqüilo, cabelos claros na altura do pescoço, um corpo pequeno, mas já de mulher. Carregava o cheiro da tintura para cabelo que a deixava ruiva, misturando-se ao perfume. É um cheiro que eu jamais vou esquecer. De todo o conjunto de memórias que tenho sobre ela, o cheiro é a mais contundente. Um cheiro forte de uma tintura de péssima qualidade, mas que me traz as mais doces lembranças do início de um amor inesquecível. Lembro, com riqueza de detalhes, de um beijo longo, demorado, próximo ao meu prédio, voltando da escola. Chovia. Tentamos correr para procurar abrigo, mas desistimos. Paramos, nos olhamos com expressões que dispensavam palavras e, por longos três minutos, nos beijamos sem pressa, como se todo o resto do mundo não existisse. Eu sentia o amor pulsando nas artérias e tinha a certeza absoluta que não precisaria de mais nada para ser feliz.

Doce Ilusão.

A parte bonita da história termina aqui. Se você clicou no link e leu o texto que motivou este atual, entenderá que minha experiência apenas corrobora o que nosso amigo descreveu lá.  Essa doce criatura dedicou os dias que se seguiram a essa bela cena romântica ao objetivo sórdido de triturar meu coração e jogar os pedacinhos encharcados de sangue para os cães vira-latas das ruas de Salvador. Me dispensou como quem troca de roupa, mantendo o mesmo sorriso radiante e dando os mesmos beijos sem pressa em outros caras. Vários caras. Quase todos os caras do colégio. E muitas vezes, em minha frente.
Não é muito legal recordar essas coisas, muito menos dividi-las com pessoas que não tem muito a fazer e estão lendo esse blog. Mas é necessário. As pessoas, essencialmente as mulheres, precisam entender que esse tipo de atitude cria monstros. Eu nunca mais, repito, nunca mais fui um bobo apaixonado que beija sem pressa debaixo da chuva achando que aquele corpo vai ficar grudado ao meu para sempre. Passei a me preocupar com a chuva, a preservar meu coração e, mais importante, perdi parcialmente o respeito pelo sentimento alheio.
A culpa não é minha. É como se o encanto tivesse sido desfeito. Não se pode mais seguir numa relação sem entender que aquilo é um meio de se tirar alguma vantagem, como tiraram de mim outrora. Nos relacionamentos seguintes, poucas vezes fui totalmente sincero. Quase nunca confiei plenamente e, quando não estava preso ao compromisso formal acordado entre as partes, quase sempre fui um canalha mentiroso. Isso porque o trauma inicial me forçou a reagir, e essa reação não pode se dar de outra forma que não seja a que leva a canalhice, a cachorrada incontrolável e a infidelidade patológica. Eu passei por tudo isso. Hoje, coleciono histórias nas quais fui o canalha. Outras tantas onde fui injustiçado pela fama de canalha. E ainda algumas outras em que na verdade eu fui o sacaneado, mas dessas quase ninguém sabe. Entendam, mulheres: todo homem foi, é, ou será um canalha. Isso não é lá uma grande novidade para vocês, mas o fato de que a culpa disso é, em praticamente todos os casos, de uma mulher que destruiu o coração do rapaz, ah, disso vocês não se dão conta. O pior é que essa fase é inevitável e o tempo que se leva para sair dela varia muito. Alguns levam a vida inteira. Eu me orgulho de ter sido um canalha muito discreto e gentil, e por essa fase ter durado um tempo relativamente curto.
A coisa funciona como um lacre violado. Não há formas seguras de se reparar. É impossível acreditar novamente no amor eterno, soberano e indestrutível. Nunca mais se ama da forma pura que se configura antes da primeira grande decepção.
Há que se buscar então outras formas de amar. Eu tive experiências maravilhosas, todas bastante sinceras e, por isso, inesquecíveis. Com o tempo o amor se torna algo muito mais racional, e amar alguém pra vida toda passa a ser uma questão de escolha. O amor precisa ganhar contornos racionais para que o trauma do primeiro amor e a crise do cafajeste sejam superados. O homem precisa se convencer de que tem de ser diferente para ser feliz. E ser diferente de um cafajeste significa conseguir amar, da forma mais próxima possível da primeira, que é inalcançável. Há que ter algo de mágico do outro lado. Vocês precisam ser mágicas, para que a racionalidade do homem o convença a amar. A cair no encanto. Mas não é preciso se preocupar muito com isso, por que simplesmente acontece, no tempo certo. E a grande maioria de vocês, mulheres, é encantadora apenas sendo você mesma. Usem essa magia.
O crucial é que as fêmeas, criadoras desses monstros que habitam a terra e são capazes de mentir, enganar e ludibriar a qualquer ser do sexo feminino, tenham cuidado com os julgamentos. Parem e pensem: quantos monstros desses vocês já criaram? Avalie sua responsabilidade, tenham fé, paciência, acreditem no amor que se escolhe, e lutem por ele. Salvem essa alma. Valerá a pena. No final, apesar de toda dor que ele causa, é de mais do tal do amor que esse mundo precisa. Amemos.

5 comentários:

Unknown disse...

ANTONALHA

Unknown disse...

eu não vou me estender muito puxando o seu saco, por isso só digo que foi o melhor texto seu que eu já li até agora :D

Betânia disse...

Amemos! Amém! É fato que toda ação gera uma reação e compreensível admitir que certas atitudes desonestas com o sentimento alheio sejam fruto de uma ferida aberta... O grande problema é fazer disso regra para a vida e para todos os relacionamentos. O que não acho certo é que uma desilusão seja capaz de desvirtuar a sua essência para sempre. Esse mecanismo de auto defesa é, no mínimo, cruel com o outro e principalmente consigo. Brilhante o texto!

Cor Púrpura disse...

Comentar este texto exige uma breve apresentação dessa que vos fala - uma mulher. E como tantas outras: Sincera, Decidida, Firme, Romântica, Frágil, Doce, Sensível...
Tudo isso se faz necessário por que quem fala, fala de um lugar. E eu, enquanto mulher, trago minhas colocações dentro do conjunto de significados que norteiam a experiência feminina.
Culpabilizar a mulher pela construção dos “monstros” e “canalhas” que nos deparamos todos os dias nas relações mais efêmeras às mais duradouras é um grande engano. Digo que assim como na vida dos homens a primeira experiência de amor serviu para a desconstrução do amor romântico, na vida das meninas não foi tão diferente. Tudo é uma questão de experimentação. E uma forte decepção capaz de mudar completamente a relação da pessoa com os seus sentimentos transcendem a questão do gênero. Aposto na idéia de que existem pessoas que sentem e sentem mesmo e existem outras que buscam sentir, seja o amor ou qualquer outro sentimento. E é exatamente nesse ponto que as divergências experimentadas causam danos trágicos a uns e não a outros.
Embora experiências como estas sejam vivenciadas por meninas e meninos cotidianamente, a maneira como lidam com suas conseqüências é completamente diferente. Os homens, como bem abordado pelo autor, tornam-se a partir da primeira experiência verdadeiros seres hostis e transferem para as próximas relações suas frustrações e enorme insegurança, causando transtornos na vida de tantas outras. Enquanto, nós mulheres, continuamos acreditando que é possível viver algo diferente do que viveu anteriormente. Onde superar uma experiência passada e se tornar capaz de acreditar no amor novamente é um desafio cotidiano, travado nas inúmeras conversas com as amigas a fim de descobrir uma fórmula mágica para a solução.
Ainda assim, carregamos alguns penduricalhos que marcam a nossa trajetória após relações como estas. Espinhos que compõem parte de nossas características e certamente vão interferir em nossas atitudes posteriores. Porém, não deixamos ir embora nosso aroma de rosa, a beleza inconfundível, a autenticidade, a capacidade de encantar...

Eu, uma rosa.
“Acreditem no amor que se escolhe, e lutem por ele”

Antonio Rimaci disse...

Bela abordagem. Logicamente minha teoria não é definitiva nem explica todas as possibilidades que as relações oferecem. Não acho que exista essa diferença engessada de posturas entre homens e mulheres. Pelo contrário, acredito mesmo que o trauma inicial tem o mesmo efeito em todas as pessoas. A diferença é que sobre a mulher ainda existe o peso das convenções sociais. A libertação é, desta forma, menos intensa e a mágoa causada nos homens sempre está delimitada pelo que "os outros vão pensar". Isso está mudando e, em breve, poderemos falar destas questões sem diferenciar gêneros. E o melhor, poderemos fazer isso sem cometer injustiças. E acredito e admiro o aroma das rosas, apesar disso! rs