terça-feira, fevereiro 13, 2007

Esperando a Quarta-Feira de cinzas

Pois bem, caros e raríssimos leitores, creio que é tempo de findar minha fase de posts confessionais nesse blog. Primeiro, porque eles são normalmente herméticos demais, evasivos demais, e de fato não interessam a ninguém, transformando um título outrora irónico numa verdade vergonhosa. Segundo, porque o mundo pós-moderno soteropolitano ferve de coisas interessantes para se analisar. Como, por exemplo, ignorar a "magia" e a "energia" que envolvem o carnaval de Salvador? Pois é. É desse enorme evento, que marca, de fato, a virada de ano no nosso país, que venho falar-lhes.
Magia uma ova. É a primeira frase que me vêm a mente ao ver uma das 456 propragandas de blocos de carnaval na tv. Qualquer morador desta cidade sofre nesse período do ano. Sim, no período inteiro, mais conhecido como verão, já que o carnaval aqui começa em Setembro. E porque sofremos? Há inúmeras formas e motivos para o sofrimento. Vou confessar (porra, confessar não!) duas das quais tenho mais proximidade.
Tem aquele cidadão que sofre porque odeia, de fato, festas do trio axé-pagode-forró. Esse cidadão está em maus lençóis. A partir de setembro ele será bombardeado por ensaios, "fest's", feijoadas, festivais e outros tantos vocativos que os empresários arrumam, que acontecem toda semana, todos os dias da semana, em todos os pontos da cidade. Se ele anda de carro, vai pegar engarrafamento. Se anda de ônibus, terá de aturar algumas conversas sobre as festas, e essas conversas costumam irritar bastante. Se ficar em casa, ouvirá, ao fundo, enquanto tenta dormir, o barulho irrtante dos tambores de algum ensaio que acontece na segunda-feira a noite, bem pertinho de sua casa. Sem falar que terá de suportar a poluição visual dos outdoors, a programação tendenciosa das rádios, e os milhares de estudantes em férias que chegam a praia, naquela quarta a tarde em que ele pensara em descansar sozinho numa barraca distante, com o som carro rolando um pagode em volume máximo. Coitado.
O outro tipo de sofrimento é diametralmente oposto: o cidadão que é totalmente fissurado pela "energia" do verão baiano. Bom, esse estará em leçóis ainda piores. Enquanto o outro sofre para fugir dessa avalanche de eventos diários, esse sofrerá horrores com a força magnética que lhe atrai para todos esses eventos, sem nenhuma exceção. Ele gastará todo o seu salário, e fará dívidas. De repente, se pegará acordando de ressaca numa terça, aquela mesma terça em que ele deveria apresentar um trabalho de fim de semestre na faculdade. Ele penará para ser aprovado nessa disciplina.Passará todo o dia reclamando dos exageros que cometera na noite anterior, mas, ao anoitecer, não ressistirá a mais um telefonema e cairá novamente na gandaia. Coitado, também, desse jovem, fruto da era do consumismo.
Mas, o post deveria se destinar a outro tema. O carnaval... A relação do povo baiano com o carnaval é algo impressionante. Hoje, faltando extamente dois dias para o início da festa, a cidade já está diferente. Percebi isso ontem, a noite, quando voltava de um passeio que teria sido ótimo em qualquer outra época do ano, na qual não pegariamos a barra em povorosa daquela forma. Enfim, estavámos em meio a um engarrafamento quilométrico, que já durava muitos minutos. As pessoas de pé, no ónibus, suando feito cuscuz. E na barra, um dos focos da festa. Fora as pessoas que dormiam - sentadas e de pé - as conversas eram todas sobre a festa. Em que blocos iriam sair, em que lugar estratégico iriam se colocar como pipoca, em que praia iriam tomar aquele bronze antes de ir "pegar várias" na muvuca multicor. Ninguém movia os olhos para o verdadeiro caos causado pelos preparativos da festa. Ninguém, além de mim. E esse fato curioso (e também o fato de eu ter arrumado um lugarzinho para sentar) foi transformando minha irritação extrema em silêncio reflexivo... Afinal, o que leva o povo baiano a ignorar todos os pontos negativos dessa festa que marca nossa cidade?
Alguns irão me condenar, mas eu percebo que, para além da estrutura classista do carnaval, da tomada das ruas pelos camarotes, da diferença absurda de preço entre os blocos que seleciona seus sócios, entre outros, o carnaval ainda é a festa mais democrática e popular que se tem notícia. Só não se diverte quem não quer. E a população baiana, que guarda no seu imáginário a idéia vendida pela mídia de que o carnaval é a festa do povo, acaba por transforma-lo nisso mesmo, dando sempre um jeitinho de marcar presença e exocizar todo o peso da coletividade, todo o peso da vida social, fazendo loucuras no mesmo asfalto em que, em outros tempos, se move sonolenta para o trabalho, dentro dos coletivos. E a festa que, apesar de não ser mais para o povo, continua sendo do povo, talvez por sobrevivência cultural; talvez por necessidade social. Quem vai saber? essa talvez seja a verdadeira magia do carnaval. As tentativas frustadas de tirar o povo da rua, por meio do "carnaval alternativo" nos bairros mais pobres, são provas cabais de que não está nas mãos da nossa elite tirar o carnaval do povo. E ele virá, mais uma vez, tomar as ruas. E que venha o povo! (rsrsrs)
Vinicius de Moraes ja dizia que é preciso, mais que nunca, cantar e alegrar a cidade. Catemos, alegremos, e esperemos, alegres, a quarta-feira de cinzas. Até a volta, amigos.

Um comentário:

joanarizerio@gmail.com disse...

precisamos de mais textos! - em coro!