Porém, naquela terça, algo havia mudado. Chovia. Torrencialmente, como há muito ele não via chover. Talvez por isso, o ônibus lhe parecia estranhamente vazio. Considerou-se ridículo por sentir uma espécie de falta do resto da gente que pisava em seus pés todas as terças. E era nisso que ele pensava, entre bocejos demorados, na sua confortável posição em frente ao cobrador, encostado na roleta, quando ela surgiu. Surgir... Esse tem de ser o verbo. Era linda, mas não dessas lindas unânimes. Ele não gostava da beleza unânime, considerava abominável a apreciação indiscriminada dos tipos que se vê na tv. Sempre queria mais... E era aquele mais que ela tinha, e o tinha de forma completamente estonteante.
- Licença. - Ela pediu. Ele, embriagado por aqueles olhos escuros, pensou em alguns milhares de respostas possíveis, impressionantes, charmosas, intimidantes, contudo, não conseguiu fazer mais do que acenar positivamente com a cabeça. O sono lhe tirava completamente a agilidade. Todavia, o sorriso da moça alargou-se de forma espetacular considerando-se a simplicidade do gesto dele. Era o sinal de que sim, ela também sentia nele o “mais”. Ele segurou desesperadamente o urro de excitação. Era preciso agir com cautela, e agarrando-se nesse argumento, ele resolveu não fazer absolutamente nada.
Tornou-se rotina: sol nos olhos, ônibus cheio, parada na roleta, “surgimento”, “licença”, abano de cabeça, sorriso largo. Ele sentia-se revigorado. Apenas aquele sorriso, aquele olhar carinhoso, tornava seu dia mais fácil, mais bonito, e toda terça durava apenas meio minuto... E todo o resto da semana se constituía numa espera por esse meio minuto. Ele, e somente ele, fazia sentido.
Um belo dia – e todas as histórias de amor, mais cedo ou mais tarde, chegam a esse belo dia -, justo naquele dia em que ele se decidira a, pelo menos, perguntar-lhe o nome, o mundo caiu sobre sua cabeça com um peso insuportável: surge a moça, linda, como sempre, porém envolvida nos braços de outro alguém. Não olhou, não sorriu e nem pediu licença, deixou seu homem pedir. E nem precisava. Ele apressou-se em passar ligeiro pela roleta, sair empurrando as pessoas mal humoradas de pé no ônibus, e descer, no ponto seguinte. A dor era insuportável. A chuva, aquela mesma chuva do primeiro encontro, lhe castigava as costas. Ele correu como nunca havia corrido na vida. Correu sem saber para onde e, ao parar em frente a um boteco de periferia, sentou, pediu uma dose de conhaque, se embebedou e cantou a plenos pulmões as canções de Radiohead que o dono do bar, de ressaca em plena terça-feira, deixara, distraidamente, repetirem-se no velho aparelho de som.
- Licença. - Ela pediu. Ele, embriagado por aqueles olhos escuros, pensou em alguns milhares de respostas possíveis, impressionantes, charmosas, intimidantes, contudo, não conseguiu fazer mais do que acenar positivamente com a cabeça. O sono lhe tirava completamente a agilidade. Todavia, o sorriso da moça alargou-se de forma espetacular considerando-se a simplicidade do gesto dele. Era o sinal de que sim, ela também sentia nele o “mais”. Ele segurou desesperadamente o urro de excitação. Era preciso agir com cautela, e agarrando-se nesse argumento, ele resolveu não fazer absolutamente nada.
Tornou-se rotina: sol nos olhos, ônibus cheio, parada na roleta, “surgimento”, “licença”, abano de cabeça, sorriso largo. Ele sentia-se revigorado. Apenas aquele sorriso, aquele olhar carinhoso, tornava seu dia mais fácil, mais bonito, e toda terça durava apenas meio minuto... E todo o resto da semana se constituía numa espera por esse meio minuto. Ele, e somente ele, fazia sentido.
Um belo dia – e todas as histórias de amor, mais cedo ou mais tarde, chegam a esse belo dia -, justo naquele dia em que ele se decidira a, pelo menos, perguntar-lhe o nome, o mundo caiu sobre sua cabeça com um peso insuportável: surge a moça, linda, como sempre, porém envolvida nos braços de outro alguém. Não olhou, não sorriu e nem pediu licença, deixou seu homem pedir. E nem precisava. Ele apressou-se em passar ligeiro pela roleta, sair empurrando as pessoas mal humoradas de pé no ônibus, e descer, no ponto seguinte. A dor era insuportável. A chuva, aquela mesma chuva do primeiro encontro, lhe castigava as costas. Ele correu como nunca havia corrido na vida. Correu sem saber para onde e, ao parar em frente a um boteco de periferia, sentou, pediu uma dose de conhaque, se embebedou e cantou a plenos pulmões as canções de Radiohead que o dono do bar, de ressaca em plena terça-feira, deixara, distraidamente, repetirem-se no velho aparelho de som.
2 comentários:
Um ar doce de tristeza e uma esperança alada no saudosismo do que não foi...devaneios sempre nos pregando peças. Um dia ainda os veremos como positivos se já não o vemos.
P.S.: Tinha que ter Radiohead pra embalar a mente inquieta.
Abraço.
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