sexta-feira, abril 20, 2007

Como é possivel ser impossível: mais uma triste história de amor

Era cedo. Ele se locomovia como quem não teme o perigo iminente, rumo ao ônibus completamente lotado. Aquelas manhãs de terça não costumavam variar a ponto de surpreendê-lo. Era sempre o sol fraquinho na direção dos olhos, o ônibus lotado cheirando a gente, os pisões no pé sem cerimônia, a felicidade de encontrar um lugar vago, ainda que fosse há apenas dois pontos do seu. Assim acontecia, umas vezes mais, outras menos, todas as terças.
Porém, naquela terça, algo havia mudado. Chovia. Torrencialmente, como há muito ele não via chover. Talvez por isso, o ônibus lhe parecia estranhamente vazio. Considerou-se ridículo por sentir uma espécie de falta do resto da gente que pisava em seus pés todas as terças. E era nisso que ele pensava, entre bocejos demorados, na sua confortável posição em frente ao cobrador, encostado na roleta, quando ela surgiu. Surgir... Esse tem de ser o verbo. Era linda, mas não dessas lindas unânimes. Ele não gostava da beleza unânime, considerava abominável a apreciação indiscriminada dos tipos que se vê na tv. Sempre queria mais... E era aquele mais que ela tinha, e o tinha de forma completamente estonteante.
- Licença. - Ela pediu. Ele, embriagado por aqueles olhos escuros, pensou em alguns milhares de respostas possíveis, impressionantes, charmosas, intimidantes, contudo, não conseguiu fazer mais do que acenar positivamente com a cabeça. O sono lhe tirava completamente a agilidade. Todavia, o sorriso da moça alargou-se de forma espetacular considerando-se a simplicidade do gesto dele. Era o sinal de que sim, ela também sentia nele o “mais”. Ele segurou desesperadamente o urro de excitação. Era preciso agir com cautela, e agarrando-se nesse argumento, ele resolveu não fazer absolutamente nada.
Tornou-se rotina: sol nos olhos, ônibus cheio, parada na roleta, “surgimento”, “licença”, abano de cabeça, sorriso largo. Ele sentia-se revigorado. Apenas aquele sorriso, aquele olhar carinhoso, tornava seu dia mais fácil, mais bonito, e toda terça durava apenas meio minuto... E todo o resto da semana se constituía numa espera por esse meio minuto. Ele, e somente ele, fazia sentido.
Um belo dia – e todas as histórias de amor, mais cedo ou mais tarde, chegam a esse belo dia -, justo naquele dia em que ele se decidira a, pelo menos, perguntar-lhe o nome, o mundo caiu sobre sua cabeça com um peso insuportável: surge a moça, linda, como sempre, porém envolvida nos braços de outro alguém. Não olhou, não sorriu e nem pediu licença, deixou seu homem pedir. E nem precisava. Ele apressou-se em passar ligeiro pela roleta, sair empurrando as pessoas mal humoradas de pé no ônibus, e descer, no ponto seguinte. A dor era insuportável. A chuva, aquela mesma chuva do primeiro encontro, lhe castigava as costas. Ele correu como nunca havia corrido na vida. Correu sem saber para onde e, ao parar em frente a um boteco de periferia, sentou, pediu uma dose de conhaque, se embebedou e cantou a plenos pulmões as canções de Radiohead que o dono do bar, de ressaca em plena terça-feira, deixara, distraidamente, repetirem-se no velho aparelho de som.

2 comentários:

Roberto Dantas disse...

Um ar doce de tristeza e uma esperança alada no saudosismo do que não foi...devaneios sempre nos pregando peças. Um dia ainda os veremos como positivos se já não o vemos.

P.S.: Tinha que ter Radiohead pra embalar a mente inquieta.

Abraço.

i.s. disse...
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