terça-feira, agosto 11, 2009

Sobre Visitas ou “Déjà vu”

(Não vou explicar o título, vou direto a história. Pelo menos uma vez na vida deste blog, não vou começar o texto me explicando. Dizem que os posts que começam com parênteses são sempre legais. Vamos nessa.)

Saímos para abrir os caminhos do fim de semana. Sem rumo definido, o jeito correto de se encontrar coisas interessantes. Guiados por uma série de conexões derivadas do sistema caótico que gere as mentes das pessoas numa sexta à noite, fomos parar naquele lugar. Um lugar que remontava um passado complexo, construído através de visitas a um lugar que, na verdade, eu deveria habitar. Explico.

Passei cincos belos anos de minha vida em São Lázaro¹. Durante esse tempo fiz grandes amigos, muitas besteiras, aprendi a ler e a escrever e fui relativamente feliz durante uma parte considerável dos dias. Contudo, eu nunca pertenci a São Lázaro. Sim, porque aquele lugar é habitado por seres que praticam a arte de se conectar completamente ao ambiente, criando raízes que sugam energia (e os prendem, ao mesmo tempo) daquelas terras. Conseguem criar uma sinergia tão grande com o local que param no tempo, alimentando uma saudade imensa dos tempos em que era permitido sonhar com um mundo diferente, de uma forma mais geral, aquele mundo pelo qual clamaram tropicalistas e Woodstockianos, onde seria “proibido proibir”. E, melancólicos, se abraçam e se beijam lamentando profundamente não terem sido abençoados o bastante para o terem presenciado. Juntos, pessoas e ambiente, formam um complexo sistema que, resistindo, por seu conjunto de forças e por uma certa indiferença do resto da sociedade, tornou-se uma sobrevivência, uma ilha estacionada temporal e espacialmente, na quina da federação.

Eu não me encaixo nesse perfil, como parece fácil supor. Não lamento não ter usado as roupas de gosto duvidoso lançadas por Caetano, muito menos já tive vontade de habitar uma barraca daquelas com homens brancos que não tomavam banho em Woodstock. Cinco anos e algumas crises existenciais depois, aprendi a conviver, compreender e até mesmo gostar disso. É estranho perceber que vivi coisas legais NO lugar, mas nunca fui DO lugar. Não contribui para que a ilha São Lázaro continue viva, mas prefiro acreditar que sai de lá tirando o melhor que poderia: um diploma e alguns bons amigos. Eu realmente prefiro acreditar nisso.

Contextualização realizada, voltemos a sexta a noite. Ao entrar, vi pessoas sentadas no chão, trajes são lazarinos típicos, tatuagens e cigarros acesos. Os mesmos abraços e beijos melancólicos... Tive vontade de voltar e pedir meus 10 reais de volta. Nos 30 segundos que seguiram após a minha recusa ao ambiente, resolvi deixar de ser tão chato e bobo e tentar me divertir. Eu tinha resistido tão bem aos cinco anos na ilha, por que não tentar pro mais três ou quatros horas?

Não foi nada desagradável. Sabe, eu sempre admirei a forma como aquelas pessoas se mostravam felizes, ignorando parcialmente o mundo que lhes rodeia (sim, o exagero faz parte do estilo do blog). E existe forma mais eficaz de ser feliz do que a ignorância proposital? Eu acho que não. Eu revi alguns rostos, tomei algumas cervejas, curti muito o som, e me diverti um bocado. Há muito de belo e mágico naquelas pessoas, naquele ambiente. Talvez isso fique mais claro numa festa, mas o conjunto do som, da cerveja gelada e dos rostos conhecidos me fez ter certa saudade de São Lázaro. E nessa hora eu percebi o quanto aquela ilha se faz necessária, num mundo tão parecido com o resto do mundo, em que as pessoas querem sempre as mesmas coisas, e o “sistema” se encarrega de (re)produzir cada vez mais e em maiores detalhes, a fórmula de felicidade que, penso eu, não deveria parecer tão perfeita assim para tanta gente. Pensar em São Lázaro me faz ter ainda mais certeza de que há algo de muito errado nesse mundo em que vivemos, e que a ilha, ainda que minúscula em relação ao resto do mundo, se mostra como um contraponto a essa realidade.

Aquele momento me fez entender o que representa a minha passagem (e a de tantos outros amigos) por São Lázaro. Somos (ou éramos) visitantes. Nunca fiz parte daquilo completamente, mas sempre interagi de forma satisfatória em relação a retirar o melhor que poderia, dentro dos meus objetivos. Não quero dizer que não há relevância naquelas pessoas, ou que meus objetivos são maiores ou melhores que os deles. São apenas diferentes. E vivendo essas diferenças, visitando aquele ambiente por cinco anos, aprendi que precisamos de mais diferenças, de mais convivência com o diverso. Que São Lázaro continue viva, para que eu possa visitá-la. Foi meu último pensamento antes de dormir, as 04h30min da madrugada de sábado...



1. São Lázaro, como é comumente conhecida a Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA.

2 comentários:

Kelly Fontoura disse...

Antônio,

adorei seu post, engraçado que eu ainda me sinto "visitando" São Lázaro, e olha que já estou lá há 6 anos e nunca consegui criar identidade com o local. Parece-me que nunca serei DE São Lázaro. Acho que São Lázaro representa um tipo ideal utópico, que é necessário, ali as pessoas realmente acreditam que podem construir um "novo mundo", um lugar onde as "minorias" são "maiorias", onde os "sonhos" ainda são possíveis (hipocrisias a parte). Deve ser por isso que a maioria deles fincam raízes e não querem mais deixar este "lugar encantado". A síndrome do Peter Pan predomina entre estes que escolheram São Lázaro como habitus, pois eles não conseguem visualizar esta fase como passageira, muitos querem parar no tempo e maximizar a permanência neste "universo paralelo".
Agora me lembrei do momento em que me senti mais pertencente a São Lázaro, foi o período em que fazíamos parte do Diretório Acadêmico. Naquela fase realmente me senti capaz de "mudar o mundo". Pena que isso foi efêmero, pois só durou um ano...rsrsrs
Mas São Lázaro certamente nos rendeu bons frutos, afinal a Cia do Subterrâneo não seria possível sem nosso momento de "visita" a São Lázaro.

Tiago Lorenzo disse...

Se acostumar com o mundo é um saco. Mas talvez criar um mundo paralelo e se acostumar com ele também seja...